O CDS do táxi para o monovolume

O CDS perdeu os laços com os liberais, não mobilizou os conservadores e tornou-se refém da sua falta de ousadia. Agora, só um golpe de magia o conseguirá salvar.

Os repórteres das televisões perguntaram este sábado o que tinha Assunção Cristas a dizer sobre uma putativa vaga de “contestação interna” à sua liderança. A líder do CDS respondeu o que tinha a responder, que “o partido está unido”, mas o simples facto de a pergunta ter um mínimo de pertinência a escassas semanas de uma eleição crucial é testemunho do estado de ânimo que paira sobre os democratas-cristãos. Assunção Cristas esteve bem no debate com António Costa, a sua mensagem política em favor da liberdade de escolha, contra a “excessiva” carga fiscal ou a apologia dos privados e do sector social é mobilizadora para o seu eleitorado, mas nem isso afasta o clima de crise sobre o CDS. Por uma razão muito simples: de acordo com as sondagens, o CDS não voltará a ser o “partido do táxi”, mas arrisca-se a passar para o “partido do monovolume”.

Poucos arriscariam prever o estado do CDS quando, mobilizado e triunfante, se reuniu em congresso em Lamego. Assunção Cristas tinha revelado sentido estratégico nas autárquicas em Lisboa, tinha reunido em seu torno quadros jovens e promissores, fora capaz de apagar o fantasma de Paulo Portas e parecia focada nas palavras de ordem que o seu eleitorado quer ouvir. Tudo, entretanto, se dissipou. E não foi apenas porque o PSD de Rui Rio ajudou a cavar o fosso da direita ou do centro-direita, nem sequer porque António Costa se assenhoreou de um dos principais trunfos do conservadorismo político – o que reclama um Estado disciplinado nas contas. O CDS arrisca-se, de acordo com as sondagens, a uma queda preocupante porque só agora despertou e recuperou as suas bandeiras de direita pura e dura.

Durante todos estes anos em que, apoiado pelo Bloco e o PCP, António Costa fez da ilusão realidade ao apregoar o fim da austeridade, quando a palavra de ordem se concentrou na devolução de rendimentos, na restauração do papel hegemónico da função pública, ou numa subalternização (pelo menos até há poucos meses) da iniciativa e da economia privada, Assunção Cristas entreteve-se na guerrilha verbal e na crítica de pormenor. O medo de rasgar uma narrativa que estava a convencer o eleitorado esvaziou o seu programa e limitou a sua acção. Sempre que tentou (e é facto que o tentou) romper o cerco fê-lo sempre mais com acusações genéricas “às esquerdas” do que através de contrapropostas da direita. Perdeu os laços com os liberais, não mobilizou os conservadores e tornou-se refém da sua falta de ousadia. Agora, o CDS não se salva com “pontes com o PS”, como advogam distintos militantes. Só um golpe de magia o conseguirá.

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