Regionalizar é preciso

Os últimos quatro anos de “geringonça” foram uma oportunidade perdida na transformação de Portugal num país mais equilibrado e onde o poder político está mais próximo dos cidadãos.

Portugal é um país extremamente desigual. Grande parte da população, bem como a maior parte da riqueza, do investimento e das oportunidades, concentram-se numa faixa litoral, sensivelmente entre Setúbal e Viana do Castelo. As duas Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto concentram cerca de 40% da população em Portugal, sendo que nas próximas eleições legislativas estes círculos ganham um deputado cada aos círculos de Viseu e Guarda.

Se durante séculos o centralismo político contribuiu para uma ideia de unidade do país, hoje, na maior parte dos países da União Europeia, um dos principais desafios é como contrariar a autonomização das principais áreas urbanas em relação ao restante território. Os problemas são de uma nova natureza política, social, cultural e económica, endógenos ao momento de transformação urbana presente, na qual os novos lugares de Lisboa e Porto, mas sobretudo da capital, nas redes de investimento e turismo globais, polarizam desequilíbrios estruturais antigos. As interdependências e relações de poder, de partilha e convergência entre regiões diferentes do país, são preteridas perante relações de competitividade globais.

A regionalização impõe-se como um projeto de coesão e desenvolvimento nacionais. Descentralizar competências, criando um nível intermédio de administração, deve significar descentralizar a decisão política, os processos de participação pública e o escrutínio das práticas democráticas. Regionalizar deve ser um processo de inclusão dos cidadãos na transformação do país face aos desafios da globalização, no qual a rearticulação entre as dimensões governativa, económica e orçamental com as dimensões administrativa e representativa, com as dimensões do povoamento, ordenamento territorial e redes urbanas, se torna central.

A autonomização de Lisboa em relação ao país legitima um funcionamento macrocéfalo da governação, que não consegue responder à necessidade de um projeto comum inclusivo da diversidade e potencial de outros lugares do país. O adiamento de políticas públicas que efetivamente consigam equilibrar a rede urbana nacional e que coloquem as cidades médias como nós essenciais de desenvolvimento acarreta os sentimentos de distância, abandono e perda que se tornaram tão evidentes nos fogos florestais de 2017 e na dura recuperação que se seguiu.

Em concreto, a ótica regional e a sua aplicação é fundamental para melhorar a atuação do Estado em várias áreas. Num momento em que os fogos florestais voltam a assolar o país, o processo de regionalização permitiria, por exemplo, agilizar e terminar o cadastro nacional da propriedade rústica, de modo a tornar mais eficiente a gestão florestal no terreno, e incentivar a criação de cooperativas para a gestão e exploração sustentável da floresta nas áreas que integram o banco de terras do Estado, potenciando economias de escala e respeitando o ordenamento previsto nas políticas florestais revistas. Do mesmo modo, não podemos fazer este debate sem reequacionar o desencontro entre as políticas do território e as políticas de desenvolvimento económico, social e cultural. Nomeadamente, no papel das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regionais (CCDR's) e na importância de integrar as funções que hoje já detêm – planeamento regional, ordenamento do território, ambiente e gestão de fundos estruturais – com as da economia, agricultura, educação, habitação e cultura.

A atual maioria parlamentar, composta por partidos que se dizem favoráveis à regionalização, não só não deu qualquer passo concreto nesse sentido como fez com o que tema se tornasse tabu. Os últimos quatro anos de “geringonça” foram uma oportunidade perdida na transformação de Portugal num país mais equilibrado e onde o poder político está mais próximo dos cidadãos. Se os resultados de um questionário feito recentemente apontam para uma maioria de apoio ao processo de regionalização, é essencial atualizar a discussão e clarificar a posição dos vários partidos.

No contexto do projeto europeu de livre circulação de bens, pessoas e serviços e de redes de globalização da economia e da cultura, as escalas estruturantes dos nossos modos de vida são as de interdependências metropolitana e regional. Desde 1976, a divisão do país em diferentes regiões administrativas – vulgo regionalização – está contemplada na Constituição da República Portuguesa. Passados mais de 40 anos, este processo continua a ser uma miragem. Após um referendo em 1998, onde o “Não” foi maioritário, a discussão sobre o processo de regionalização de Portugal entrou num hiato que importa terminar. Afinal, trata-se de cumprir a Constituição.

Os autores escrevem segundo o novo Acordo Ortográfico

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