Contabilistas com guia para o dia seguinte ao “Brexit”

Governo começa a contactar na próxima semana as 3871 empresas que em 2018 exportaram para o Reino Unido.

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O Conselho Estratégico para a Internacionalização da Economia fará ponto de situação da preparação do “Brexit” Nelson Garrido

Com o “Brexit” a caminho, a Ordem dos Contabilistas Certificados preparou um documento para ajudar os técnicos seus associados a perceber as mudanças e os regimes transitórios que se vão aplicar quando acontecer a saída do Reino Unido da União Europeia. Uma espécie de guia para o dia seguinte.

“O documento que a autoridade tributária já disponibilizou ajuda bastante a perceber algumas orientações para a mudança” e as próprias empresas só se vão preocupar em relação a questões concretas quando o divórcio “for efectivo”, antecipa ao PÚBLICO a bastonária da Ordem dos Contabilistas Certificados, Paula Franco, referindo que muitas das situações não se vão colocar imediatamente mas sim mais tarde por causa da legislação tributária. “As empresas ainda têm os prazos de ajustamento normais da lei fiscal.”

No Portal das Finanças, as empresas encontram informações sobre as implicações aduaneiras e tributárias do divórcio europeu – do IVA aos impostos especiais de consumo, passando pelo IRC e pelo que se passará nas alfândegas. A juntar a isso, os contabilistas terão agora o documento orientador da Ordem. O mais importante a acautelar, sublinha Paula Franco, “são as operações comerciais entre empresas residentes lá e cá”. No IVA, por exemplo, terão de acautelar que as operações passam a ser tratadas como importações e exportações, deixando de se aplicar as regras intracomunitárias.

A partir do momento em que acontecer a saída, sublinha o Ministério das Finanças, “deixam de existir operações intracomunitárias e vendas à distância a partir do território nacional para o Reino Unido e vice-versa. Face a estas alterações, os sujeitos passivos têm que se familiarizar com os procedimentos e formalidades aduaneiros no que respeita à importação e exportação de mercadorias”.

Se as empresas que já exportam para fora da União Europeia já estão mais familiarizadas com os procedimentos aduaneiros que agora também se deverão aplicar às trocas com o Reino Unido, há outras para quem isso representa uma novidade. As que já trabalham com outros países terceiros já têm a intervenção de um despachante. Da realidade que conhece, Paula Franco pensa que as empresas “estão, para já, a manter todos os procedimentos que faziam até agora e só na altura do corte começarão a estabelecer os contactos com as empresas de despachantes para proceder às respectivas regularidades técnicas”.

Na relação com a autoridade tributária, explica o Ministério das Finanças, “os operadores económicos nacionais são automaticamente registados aquando da primeira interacção junto da AT ao nível dos procedimentos aduaneiros, dispensando nesse caso qualquer registo prévio para esse efeito, sendo que as principais dificuldades relatadas estão relacionadas com as referidas necessidade de cumprimento de formalidades de desalfandegamento das mercadorias para efeitos da expedição ou recepção de mercadorias do Reino Unido e com os custos envolvidos, sejam custos resultantes dos serviços prestados pelos representantes das empresas exportadores e importadoras, sejam os custos dos montantes de direitos de importação a que está sujeita a importação de mercadorias de fora da União Europeia”.

No fisco, “sempre que seja necessário prestar apoio a qualquer questão relacionada com esta temática, os serviços da AT estão preparados para proceder ao seu esclarecimento”. E no caso das maiores empresas, os interlocutores são os gestores do contribuinte, da Unidade dos Grandes Contribuintes (UGC).

Com o desfecho ainda incerto, o Governo português prepara-se para contactar, “uma a uma”, as 3871 empresas que exportam para o Reino Unido para as informar, “mais uma vez, de todos os procedimentos que devem acautelar”, anunciou ontem o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva.

Do ponto de vista legislativo e regulamentar “o trabalho está feito”, sublinhou o ministro, deixando um apelo a todas as empresas que têm relações económicas com o Reino Unido para que “verifiquem atempadamente, desde já, se todos os procedimentos, todos os requisitos que devem cumprir estão a ser cumpridos”. Uma das tarefas que as empresas que transportam mercadorias via Reino Unido têm de fazer passa por se registarem na autoridade tributária para poderem realizar as transacções comerciais com países terceiros, o que será o caso do Reino Unido se a saída se consumar sem um entendimento. Seguindo o exemplo de Espanha, onde a autoridade tributária já escreveu 90 mil cartas às empresas que se relacionam com o mercado britânico recomendando que se prepararem para o pior dos cenários – uma saída sem acordo –, Lisboa deu ordem para que os serviços públicos (Finanças, MNE e Economia) contactem as 3871 empresas portuguesas que em 2018 exportaram para aquele mercado.

Depois disso, adiantou Santos Silva, haverá um “ponto de situação” na reunião do Conselho Estratégico para a Internacionalização da Economia Portuguesa, onde têm assento o Governo e as associações empresariais. “E faremos o mesmo com o Conselho Permanente da Concertação Social para, quer junto das associações empresariais, quer das associações sindicais, verificarmos se todos estão preparados para qualquer cenário do ‘Brexit’, incluindo infelizmente o cenário de saída sem acordo”, afirmou o número dois do Governo de António Costa.

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