O “dinheiro sujo”, uma máquina para mudar fraldas e pizza anticancro: eis os prémios IgNobel

Todos os vencedores que aceitaram estar presentes em Harvard para a cerimónia pagaram as próprias viagens. O prémio, esse, foi uma nota de dez biliões de dólares do Zimbabwe: uma moeda obsoleta e sem valor monetário.

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Uma pizza "anticancro"? Fernando veludo n/factos

Medir a temperatura do escroto pode parecer estranho, mas a curiosidade é uma parte importante de qualquer investigação científica – e há ideias que além de fazerem pensar, também fazem rir. Foi para premiar estas invenções “incomuns” que foram criados os Prémios IgNobel – uma paródia dos prémios atribuídos pelas academias suecas e norueguesa – e a edição de 2019 é profícua em ideias com imaginação: do investigador que tentou provar que a pizza ajuda a evitar o cancro, ao engenheiro que criou uma máquina para ajudar quem acabou de ser pai ou mãe a mudar fraldas.

Desde 1991 que os prémios IgNobel vão parar às mãos de académicos de todo o mundo. O objectivo é premiar as façanhas que aproximam o público em geral de “áreas como a ciência, medicina e tecnologia”, lê-se no site da iniciativa. A cerimónia deste ano aconteceu na quinta-feira, na Universidade de Harvard e contou com a presença de vários prémios Nobel (dos verdadeiros) para entregar as estatuetas: Eric Maskin (prémio Nobel da Economia em 2007), Rich Roberts (prémio Nobel da Fisiologia ou Medicina em 1993), Marty Chalfie (Nobel da Química em 2008) e Jerome Friedman (Nobel da Física em 1990).

Além deles, havia na audiência uma menina de oito anos cuja única função era garantir que os vencedores não ultrapassavam o tempo estipulado para os discursos (um minuto). Tinha uma única fala: “Por favor, parem. Estou aborrecida”. O mestre-de-cerimónias foi Marc Abrahams, editor e co-fundador da Annals of Improbable Research,

Um dos vencedores deste ano foi Silvano Gallus, investigador do departamento de epidemiologia do Instituto Mario Negri para a Investigação Farmacológica, em Milão (Itália). O investigador recebeu o IgNobel pelos seus três trabalhos de investigação sobre os efeitos da pizza na protecção contra doenças como o cancro – tumores no tracto digestivo e intestinal, mas também de origem hormonal que se manifestem na mama, ovários e próstata – e o enfarte do miocárdio. Uma questão à qual, na verdade, nunca foi capaz de dar resposta.

“Provou-se que alguns dos ingredientes da pizza têm uma influência favorável no risco de doenças cardiovasculares. No entanto, não há uma explicação única para estas descobertas”, lê-se na conclusão do estudo Pizza e risco de enfarte agudo do miocárdio, publicado na revista Nature, de que Gallus fez parte. “Honra-me receber este prémio bizarro, ainda que importante. Na verdade, os resultados são muito relevantes, desde que exista uma interpretação correcta: a pizza na Itália pode representar um indicador geral da dieta do país, que, como outras dietas mediterrâneas, já mostrou ter benefícios para a saúde”, defendeu o investigador, durante a entrega dos prémios, citado pelo jornal Folha de S. Paulo. A sua investigação valeu-lhe o IgNobel da Medicina.

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O de Anatomia foi entregue a dois investigadores franceses, Roger Mieusset e Bourras Bengoudifa, que mediram a temperatura dos escrotos de vários carteiros e condutores de autocarros franceses para perceber se o lado esquerdo era mais quente do que o direito – tal como sugeriam as investigações anteriores – e testar se isso se alterava com roupa ou certas actividades. Concluíram que que a diferença entre o lado esquerdo e direito existe (sendo que o lado esquerdo é o mais quente) e acontece independentemente da posição ou da actividade dos homens quando estão vestidos.

Outro dos prémios – da área da engenharia – foi atribuído ao engenheiro iraniano, Iman Farahbakhsh, e vai agradar principalmente a quem foi pai ou mãe recentemente. É uma máquina de mudar fraldas a “crianças humanas” e já tem patente norte-americana. O aparelho, do qual se conhecem apenas desenhos técnicos, tem uma câmara principal, uma janela de vidro, assento, suporte para as pernas, cinto de segurança, um braço para remover fraldas, um aspersor e um secador – para “pulverizar água e lavar pelo menos uma parte da criança”.

Já o prémio IgNobel da Paz foi parar às mãos de um conjunto de investigadores do Reino Unido, Arábia Saudita, Singapura e EUA. Ghada A. bin Saif, Alexandru Papoiu, Liliana Banari, Francis McGlone, Shawn G. Kwatra, Yiong-Huak Chan e Gil Yosipovitch uniram esforços para tentar medir o prazer sentido ao coçar. Descobriram que é mais prazeroso coçar um tornozelo ou as costas do que o antebraço e que a comichão sentida no tornozelo é mais forte do que a dos outros dois locais. “Fiquei em êxtase quando soube [do prémio]. É bom para todos nós, é uma honra”, disse Francis McGlone ao The Guardian, depois de saber que seria um dos vencedores deste ano. “É uma coisa que me tem fascinado há muito tempo: porque é que coçar é bom para caraças?”

“As pessoas riem-se da comichão, mas a comichão crónica é devastadora. As pessoas com comichão crónica coçam até fazer sangue porque é preferível a dor à comichão”, justifica.

Qual é o dinheiro mais “sujo"?

À atenção dos que sofrem de fobia aos germes: quais são as notas mais propensas a bactérias? Habip Gedik, Timothy A. Voss e Andreas Voss (que são pai e filho) descobriram que são os leu romenos que acumulam mais bactérias de três tipos: Staphylococcus aureus, E. coli e Enterococo resistente à vancomicina.

Comparada com o euro, o dólar norte-americano e canadiano e as rupias indianas, é a estrutura das notas romenas que “mais favorece o crescimento e transmissão de patogénicos resistentes aos tratamentos”. Estas notas incluem uma fibra de polímero para evitar a contrafacção que é o ambiente perfeito para estas bactérias. No sentido contrário, é a kuna croata que menos bactérias acumulam – na verdade, não permitiu o crescimento de nenhuma das bactérias testadas. 

Outros investigadores tentaram perceber porque é que os fascólomos ("wombats”, marsupiais naturais da Austrália) defecam em forma de cubos: as paredes intestinais esticam para facilitar a formação de fezes nesse formato. Na área da psicologia ganhou o alemão Fritz Strack, que descobriu que colocar uma caneta na boca para fazer sorrir, torna uma pessoa mais feliz – uma tese que ele próprio refutou, num estudo posterior.

Houve quem tentasse perceber o volume total da saliva produzida por uma criança de cinco anos diariamente (são 500 mililitros) ou de que forma o treino de cães com recurso a reforço positivo pode ajudar os futuros cirurgiões: os jovens aprendizes que recebiam reforço positivo no caso, o som de um dispositivo que emitia um clique enquanto faziam suturas ou pequenos orifícios correctamente, eram mais eficazes. “Normalmente, os cirurgiões mais experientes dão formação aos mais novos e fazem com que seja bastante difícil”, disse Karen Pryor, uma das responsáveis pelo estudo. “Com o nosso método, [os alunos] aprenderam a usar as ferramentas com grande confiança e calma, o que os tornou pessoas calmas e serenas”.

Todos os vencedores que aceitaram estar presentes na cerimónia pagaram as próprias viagens. O prémio, esse, foi uma nota de dez biliões de dólares do Zimbabwe: uma moeda obsoleta e sem valor monetário.

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