Rio e Jerónimo em debate apagado: perto nos problemas, longe em boa parte das soluções

No debate na RTP, Rio assume que não quis ser deputado – o que faria com que não fosse primeiro-ministro. Mas diz que o que o entusiasma é “ganhar as eleições e ser primeiro-ministro”.

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Foi praticamente um debate de cavalheiros aquele que Rui Rio e Jerónimo de Sousa travaram nesta quinta-feira, sem que tenham vindo ao de cimo as vincadas diferenças ideológicas entre os dois partidos. daniel rocha

Nem morno chegou a ser o debate entre Rui Rio e Jerónimo de Sousa, que durante meia hora de conversa muito cordata concordaram nos problemas mas divergiram na maior parte do caminho a percorrer para os resolver. Até na importância que cada um dá ao Parlamento: o presidente do PSD voltou a desvalorizar o cargo de deputado – “não me entusiasma ser deputado; o que me entusiasma é ganhar as eleições e ser primeiro-ministro” –; o secretário-geral do PCP aproveitou para admitir que “há alegrias maiores na vida” e defender a “centralidade” da Assembleia e o trabalho de “exigência e convicção”.

Mas Rui Rio fez outra coisa: praticamente admitiu que não quer ser Governo. Contou que pôs o seu lugar de candidato a deputado “à disposição” mas que “foi o partido que disse que tinha que ser candidato”. Ora, ficou por explicar a incoerência de dizer que o seu entusiasmo é por ser primeiro-ministro (e não deputado) sem ser eleito primeiro deputado, já que essa é a tradição democrática portuguesa.

Ambos concordam com a necessidade de ter horário de trabalho igual no privado e no público e de aumentar os salários. Mas com ritmos bem diferentes: aos 850 euros para o salário mínimo que o PCP reclama, o PSD responde com a proposta de 700 euros até ao fim da legislatura; às 35 horas de trabalho semanal para sectores público e privado exigidas para já pelos comunistas, Rui Rio responde que a igualdade é necessária mas “agora é impossível”. “Só quando tivermos desenvolvimento e crescimento económico que o permita”, defendeu o social-democrata, que usou a mesma justificação para o salário mínimo, dizendo que as empresas não aguentam tal esforço neste momento – e só o conseguirão em 2020 ou até em 2023 consoante as políticas do próximo Governo. Jerónimo vincou que o PS é que não deixa que haja margem para isso, lembrando o serviço da dívida e o dinheiro dado à banca.

Mas para provar a sua preocupação com os salários, Rio fez questão de dizer que é mesmo sua a proposta do programa do PSD que se propõe limitar o ordenado dos gestores de topo para reduzir as disparidades salariais e até penalizar fiscalmente as empresas que não respeitem tais princípios. “Ter um administrador a ganhar um milhão de euros e cá em baixo ganham 600 ou 700… quando uma empresa se desenvolve têm que ganhar todos”, disse Rio.

Jerónimo avisou que divergem “no tempo e no modo”, e preferiu encaminhar a conversa para a necessidade da valorização global dos salários e o aumento do salário mínimo para os 850 euros. Até lembrou a Rui Rio que este já disse publicamente que não sabe como se pode viver com 600 euros. O comunista insistiu no abono de família universal por se tratar de “um direito da criança e não dos pais”, Rio argumentou que este deve ser apenas “para os mais carenciados”. Jerónimo contrapôs com a proposta da rede de creches pública gratuita para todas as crianças até aos três anos e Rui correu atrás lembrando que o PSD prefere uma rede “tendencialmente gratuita que inclua o sector social”. “É uma ideia parecida”, admitiu.

Praticamente sem ataques ao PS, o inimigo comum, o debate fez-se quase só pelas propostas dos dois partidos mas num tom excessivamente cordial, quase como se não se tratasse de partidos com ideologias tão distintas. Até foi Rio quem sentiu necessidade de assinalar a “divergência de fundo” com Jerónimo no aumento do salário mínimo. E nem se exaltou quando Jerónimo o acusou de olhar para a saúde como “uma área de negócio e não um direito”.

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