O Brasil à frente da nova vaga do autoritarismo

Em nenhum outro país do Mundo o poder político mostra o mesmo despudor em confrontar as regras e os valores da democracia como no Brasil de Bolsonaro

Desenganem-se os profetas da desgraça que vêem o Brasil de hoje transformado numa ditadura de extrema-direita. Não, o Brasil permanece como uma democracia sólida, mas não é por obra e vontade da sua liderança. É por causa da força das suas instituições, da sofisticação da sua sociedade ou pela força e determinação da sua imprensa livre. Mas há um dilema a acompanhar no futuro próximo: saber o que acontece na relação de forças entre a pulsão autoritária do clã Bolsonaro e uma oposição democrática fragmentada, desiludida, desorientada e atormentada pela herança contaminada do lulismo. Com uma certeza perigosa à partida: em nenhum outro país do Mundo o poder político mostra o mesmo despudor em confrontar as regras e os valores da democracia como no Brasil de Bolsonaro.

Deixou de ser apenas uma questão de discurso. Se outrora Bolsonaro foi capaz de elogiar Carlos Brilhante Ustra, o militar conhecido por torturar opositores no tempo da ditadura, agora assume-se como cabeça de um clã no qual há membros (no caso, o filho Carlos, vereador no Rio) que dizem nas redes sociais o que de facto o presidente pensa: que não haverá transformações rápidas no país “por vias democráticas”.

Junte-se à ideia o nacionalismo patente no discurso sobre a Amazónia, o nepotismo que leva o Presidente a admitir nomear o seu filho Eduardo como embaixador em Washington ou a apologia de uma cultura intolerante que leva a polícia a invadir uma bienal literária para apreender um livro para a infância na qual dois homens se beijavam e ficamos com o quadro completo. O bolsonarismo não dá o golpe apenas porque o Exército não quer e as vanguardas da sociedade brasileira não deixam.

Não é caso para grande tranquilidade, porém. Como um vírus, o discurso persecutório contra gays, negros ou qualquer outra franja da sociedade que escape ao estereótipo do poder dominante, vai-se estendendo. Dando continuidade à fractura social aberta pelo colapso do lulismo e do PT, o Brasil extrema-se, criando o contexto ideal para o golpismo da extrema-direita (a extrema-esquerda está moribunda). Com o país encalhado na crise económica, com o MDB dissolvido na sua crise moral, o PSDB incapaz de assumir a sua responsabilidade histórica e o PT atado à narrativa do “golpe” que existiu mas não iliba a sua arrogância, a corrupção e mentira, o Brasil hesita numa atmosfera de pessimismo.

Enquanto houver tribunais capazes de proibir a censura e jornais com coragem para enfrentar a provocação autoritária, a democracia subsistirá. Se essa relação de forças é efémera e condenada a sucumbir, o tempo o dirá.

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