O Flamengo de Jorge Jesus é só elogios: “Jogámos muito hoje, não foi, mister?”

O treinador português está a conseguir conquistar os adeptos do emblema “carioca” e a imprensa brasileira com as exibições da equipa. Mas ainda falta a conquista de títulos para entrar para a história.

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Jorge Jesus Reuters/DIEGO VARA

Gabriel Barbosa, ou “Gabigol”, comanda o espectáculo nos bastidores do Flamengo. Ao seu redor, o plantel “rubro-negro” observa o antigo avançado do Benfica a fazer uma imitação de Jorge Jesus, com sotaque português. Todos soltam gargalhadas, inclusive o treinador, que acha mais graça ainda quando Gabigol provoca: “Jogámos muito hoje, não foi, mister?”. São exemplos de como, em apenas três meses no Brasil, Jesus conquistou a equipa com sua liderança suave, mas muito exigente, e arrebatou uma legião de fãs que vai do cozinheiro aos directores do clube.

Jesus levou o Flamengo à liderança do campeonato brasileiro e de volta às meias-finais da Taça Libertadores, neste último caso após 35 anos de ausência. O adversário será o Grémio, em Outubro. Os resultados são a parte visível de um trabalho muito elogiado até agora. Além de encantar os milhares de adeptos do Flamengo e ser apontado como candidato a treinador do ano por parte dos jornalistas especializados, Jesus chama a atenção pela simpatia e estilo de vida fora dos relvados, factores que ajudaram na rápida adaptação ao Rio de Janeiro, ao clube e a recuperar a auto-estima da equipa.

“Jesus tem um perfil que em nada lembra o de um chefe. Ele é querido pelo plantel porque a sua liderança foi conquistada sem imposição. Apesar de ser um profissional obcecado por futebol, exigente no trabalho, seu jeito de ser é leve e escutá-lo acrescenta um enorme valor”, declarou Bruno Spindel, director de futebol do Flamengo.

O primeiro contacto entre o dirigente e o treinador foi na Europa. Durante a negociação para contratá-lo, Spindel foi surpreendido pelas informações que Jesus tinha do Flamengo.

“Ele entendeu que o adepto é o centro do clube. E os adeptos querem vitórias com bom futebol. O Flamengo decidiu por Jesus porque queria ofensividade e domínio de jogo. E Jesus faz isso bem porque tem certeza de que o adepto é o nosso maior património, tanto que tira fotos com todo mundo nos estádios e também no centro de treinamento. Ele tem absorvido esta energia”, contou Spindel.

“Ainda não consigo [cantar as músicas dos adeptos] ou sentir o significado das palavras. Mas é para eles que trabalhamos todos os dias”, confirmou Jesus numa conferência de imprensa. 

No último sábado, após derrotar o Avaí, em Santa Catarina, e chegar ao quinto triunfo seguido no campeonato brasileiro, Jesus voltou a elogiar os adeptos: “Parabéns aos torcedores. Jogamos aqui como se fosse no Maracanã, é uma força muito grande”.

Jesus pede cozinheiro com a equipa

Enquanto o Flamengo rumava à liderança do campeonato, Jesus trocava o hotel onde tinha estado a viver desde que chegou ao Brasil por uma casa na Barra da Tijuca. Reduto de jogadores e treinadores, a zona balnear do Rio de Janeiro é famosa também pelas suas churrascarias. Mas Jesus tem preferido algo mais saudável.

“Quando vamos jantar, ele pede peixe. Já foi a restaurantes portugueses. Mas sempre peixe no menu. É porque ele cuida muito bem do corpo”, disse Spindel. Mas esta preocupação é extensível também aos momentos em que está no clube. Peixe, verduras e legumes preparados pelo cozinheiro do Flamengo, Leonardo Barbosa de Matos. Há cerca de 10 anos no Flamengo, foi somente em Julho que Matos fez a sua primeira viagem internacional com o plantel, para o Equador, porque, a pedido de Jesus, passou a integrar a delegação “rubro-negra” em períodos longos longe do Rio.

Mesmo com um estilo democrático, o treinador não abre mão de uma rotina pesada de treinos, horários rígidos e da obsessão pelo ataque, um desejo da “torcida”, que entoa o já famoso “Vai para cima deles, Mengo” nos estádios.

Membros do staff do clube dizem que a comissão técnica de Jesus é mais exigente nos treinos que a de Abel Braga, o antigo treinador. E, apesar de estranharem a carga pesada no início do trabalho, ressaltam que é impressionante a maneira como os jogadores assimilaram rapidamente as orientações em busca de um estilo de futebol mais ofensivo. Em 15 jogos, foram 33 golos marcados, 14 sofridos, nove vitórias, quatro empates e duas derrotas.

Na vitória sobre o Palmeiras do antigo seleccionador de Portugal Luiz Felipe Scolari, demitido devido ao resultado, a equipe vencia por 3-0 e Jesus pedia aos jogadores para irem para a frente e tentarem mais golos. Algo que os adeptos do Flamengo não viam há tempos.

Para chegar a este nível, Jesus chegou a usar um drone em sessões de treino, com o posicionamento em campo desejado pelo treinador a ser exibido em vídeo para o plantel. “Gabigol” foi o mais favorecido pelo esquema ofensivo. Orientado por Jesus, é o goleador do campeonato brasileiro, com 15 golos. E este desempenho contribuiu para que o Flamengo adiasse a contratação de um “reforço de peso” para o ataque, como Jesus havia pedido. O italiano Mario Balotelli era o nome em cima da mesa. 

O método de trabalho e estilo de jogo de Jesus viraram referência no Brasil. E os directores do clube entendem que é possível que Jesus possa entrar para história do Flamengo.

“Mas para isto acontecer tem que conquistar algo grande. Só entram para história os que ganham títulos. É o que todos deste plantel querem”, afirmou Spindel.

Jornalista que escreve para o jornal O Globo e a revista Piauí 

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