Morreu Daniel Johnston, mestre outsider da melodia e ícone indie

De uma beleza desarmante, quase infantil, a sua música marcou e influenciou a canção americana dos últimos 30 anos.

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O músico norte-americano Daniel Johnston morreu aos 58 anos esta quarta-feira. A notícia foi dada pelo The Austin Chronicle e confirmada pela família do músico.

“Morreu de causas naturais na sua casa perto de Houston, no Texas”, disse a família em comunicado. “O Daniel era um cantor, um compositor, um artista e um amigo de todos. Apesar de ter lutado contra problemas mentais durante boa parte da sua vida adulta, o Daniel venceu a doença através da sua produção prolífica de arte e canções. Inspirou incontáveis fãs, artistas e compositores com a sua mensagem de que, por mais negro que seja o dia, ‘the sun shines down on me e ‘true love will find you in the end’.”

Em 2013, o P3 gravou em vídeo uma actuação de Daniel Johnston para o site La Blogothèque

A sua música, de escassos meios (guitarra acústica, piano, uma voz frágil, pouco mais), quase infantil, dona de uma beleza desarmante, tornou-o um personagem incontornável – e muito influente – da canção americana. A sua arte – clássica e outsider, sem aparente intenção de o ser, imperfeita, inclassificável – era torrencial: assinou 18 discos, mas, segundo disse o irmão Dick ao New York Times, em 2017, terá 1500 cassetes que nunca viram a luz do dia. “Não consigo parar de compor”, afirmou Daniel Johnston. “Se parasse, talvez nada houvesse. Talvez tudo parasse. Por isso não paro. Tenho que continuar.”

O músico de Sacramento começou a dar que falar em Austin, no Texas, graças às cassetes que gravava e produzia em casa – tornou-se assim um símbolo da produção do it yourself (faz tu mesmo). Em 1981, estreou-se com Songs of Pain, voz e piano registadas num gravador de cassetes de 59 dólares, lançado em cassete com arte visual do próprio (feitos a marcador, os seus desenhos tornaram-se tão icónicos como a sua música). Em 2010, lançou o seu 18.º e último disco, Beam Me Up!.

A influência do autor de Some things last a long time foi citada por muitos músicos, nomeadamente Kurt Cobain, que ostentava com frequência uma t-shirt com a capa do disco Hi, How Are You, lançado por 1983 por Johnston, e pôs Yip/Jump Music (do mesmo ano) entre os seus discos favoritos. Tom Waits, TV on the Radio, Wilco, Beck, Yo La Tengo, Sparklehorse e Beach House gravaram versões das suas canções. O português Legendary Tigerman recriou True love will find you in the end no álbum Femina, com a brasileira Cibelle.

Em 1988 Daniel Johnston mudou-se para Nova Iorque para gravar 1990, disco que conta com a participação de Lee Ranaldo e Steve Shelley – sinal de que Johnston era já uma figura de culto na música americana. Mas 1988 foi um ano agridoce: nesse ano foi diagnosticado com esquizofrenia. Foi internado compulsivamente numa instituição psiquiátrica depois de dar um concerto em Austin, em 1990. Na década de 90, o culto e a publicidade de gente como Kurt Cobain levaram-no a editar por uma multinacional – uma aventura curta, de um só disco (Fun, de 1994).

Em 2005, a vida e a obra do músico, que também sofria de doença bipolar, foi alvo de um documento, The Devil And Daniel Johnston (Loucuras de um Génio, em Portugal), realizado por Jeff Feuerzieg.​ Esta tumultuosa vida interior (que, por vezes, se transformava em surtos psicóticos) entrava nas suas canções: “O desespero bateu-me à porta e eu deixei-o entrar por instantes”, canta em Despair came knocking de Hi, How Are You. “Sentou-se no sofá e começou a fumar. Ele não disse nada.”

Daniel Johnston actuou em 2013 no Porto, no Festival Primavera Sound. Depois de complicações no seu estado de saúde, fez a sua última digressão em 2017. “A coisa mais incrível é que metade destas canções sejam os mesmos três acordes”, disse ao New York Times Doug Martsch, dos Built to Spill, que o acompanhou nessa digressão.

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No ano seguinte, a cidade de Austin baptizou o dia 22 de Janeiro (dia do seu aniversário) como o Hi, How Are You? Day.

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