Há mais alunos no superior mas mais jovens sem trabalhar nem estudar

Portugal consegue ter taxas de inscrição no ensino superior acima da média da OCDE e o dobro dos “nem-nem” que procuram emprego há mais de um ano dos países parceiros, mostra relatório Education at a Glance.

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Rui Gaudêncio

Parecem dois fenómenos inconciliáveis, mas coexistem na população jovem nacional. Portugal tem mais estudantes do que a média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) actualmente inscritos no ensino superior, mas também mais jovens que não estudam nem trabalham e estão à procura de emprego há mais de um ano. Os indicadores são revelados pelo relatório anual Education at a Glance, publicado nesta quarta-feira por aquele organismo internacional.

Na população entre os 19 e os 20 anos – a idade em que habitualmente os jovens entram no ensino superior –, 41% estão matriculados numa universidade ou politécnico. A média da OCDE é de 37% e o relatório sublinha a evolução positiva que o país teve nos últimos anos neste indicador.

Por outro lado, Portugal continua a ser um dos países onde há mais jovens que não estudam nem trabalham – os chamados “nem-nem”. Cerca de 3% dos jovens dos 18 aos 24 anos estão desempregados há mais de um ano e não estão a estudar, o que é o dobro da média da OCDE. Portugal está num grupo de países com o mesmo problema em que também se encontram Itália, Espanha e Grécia, que tem a percentagem mais elevada neste indicador, 7,9%. Em termos gerais, Portugal tem 15,2% de jovem “nem-nem”, acima dos 14,3% da média da OCDE. 

Os jovens portugueses vivem “uma situação relativamente dual”, avalia Pedro Teixeira, do Centro de Investigação de Políticas do Ensino Superior (CIPES). De um lado, estão os estudantes que fazem o ensino secundário pelos cursos científico-humanísticos e que representam cerca de metade dos jovens que terminam o ensino obrigatório. Estes correspondem, grosso modo, aos estudantes que entram no ensino superior.

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Mas há uma outra metade da população que faz o ensino secundário em cursos profissionais e que não está a entrar no ensino superior – o Governo chegou a prometer criar uma via de acesso especial para estes alunos neste ano lectivo, mas acabou por abandonar a ideia.

Dualidade que vem do secundário

Esta dualidade já vem do ensino secundário, “mas o ensino superior acentua-a”, entende o investigador. “A atenção das instituições continua muito focada nos alunos tradicionais. As universidades têm muito pouca apetência para a diversificação de públicos”.

A presidente da Federação Académica de Lisboa (FAL), Sofia Escária, dá voz a uma preocupação da sua geração que também ajuda a perceber por que há jovens que optam por não ir estudar no superior. “De que serve investir tanto para ter um curso, se num primeiro emprego vamos ganhar pouco mais do que quem não tem formação?”, atira.

Education at a Glance mostra que ter um curso do ensino superior continua a garantir benefícios no acesso ao mercado de trabalho. Os licenciados entre os 25 e os 34 anos conseguem vencimentos 50% superiores aos dos outros trabalhadores da mesma idade. Mas o “prémio salarial” – como é designado pela OCDE – tem vindo a decrescer. Na geração entre os 45 e os 56 anos, quem tem um curso superior ganha quase o dobro dos restantes trabalhadores da mesma faixa etária.

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“Uma licenciatura perdeu valor no mercado de trabalho”, explica o investigador José Manuel Mendes do Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra, que tem estudado o abandono e insucesso escolar no ensino superior.

De resto, outro fenómeno sublinhado pelo Education at a Glance deste ano são as dificuldades dos estudantes do ensino superior em ter percursos académicos bem-sucedidos. Somente 30% dos estudantes portugueses consegue completar o respectivo curso em três anos, a duração prevista. “A conclusão do ensino superior continua a ser um desafio”, sublinha a OCDE na ficha de avaliação específica do país, que acompanha o relatório. Em média, nos países parceiros, 39% dos estudantes consegue completar a formação no tempo esperado.

“O problema”, diz José Manuel Mendes “são as expectativas com que se entra”. Após a reforma de Bolonha, que encurtou a generalidade dos cursos superiores para três anos, um jovem acaba a sua formação com 21 anos. “O que é que o mercado de trabalho oferece a um jovem com 21 anos?”, questiona este especialista. Este pensamento acaba por instalar-se entre os estudantes, defende.

Mas, para Sofia Escária, o problema do insucesso escolar dos estudantes do ensino superior também pode ser imputado às universidades e politécnicos. “Os planos curriculares estão muito desajustados da realidade e falta formação aos docentes. Há muitos que são bons na investigação, mas não são bons professores”, critica a presidente da FAL.

“A atenção das instituições não estava de facto muito focada no sucesso académico dos estudantes”, reconhece Pedro Teixeira do CIPES. A realidade “foi mudando nos últimos seis ou sete anos”, mas ainda há um trabalho de inovação pedagógica para ser feito.

*Notícia corrigida: o texto inicial referia que Portugal tinha o dobro da média da OCDE dos jovens “nem-nem” (que não estudam nem trabalham). Tal está errado. Portugal tem o dobro da média da OCDE dos jovens “nem-nem” que procuram trabalho há mais de um ano. Aos leitores, as nossas desculpas.

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