Apesar de (Bolsonaro)

Acredito que hoje, ainda mais do que ontem, muitos entenderão melhor o tiro no pé que representaria para o Estado português servir como uma espécie de normalização do governo Bolsonaro junto da União Europeia.

O Brasil não é igual aos Estados Unidos da América e Bolsonaro não é Donald Trump por mais que gostasse de o ser. Existe uma coisa que se chama leverage político e o Presidente americano continuará a tê-lo sempre. Muito para lá de quaisquer atitudes ou boçalidades proferidas. São assim as regras do jogo de presidir ao país mais poderoso do mundo e provavelmente a maior falha de perceção de todas as cópias baratas, de Boris a Salvini passando por Bolsonaro, que emanaram da eleição de Trump em 2016.

Não é transportável para a realidade carioca, o que não impede Bolsonaro de nunca o ter entendido e tudo fazer para isolar o seu país na esfera internacional. Seguramente, entre os que mais interessam tem sido bem-sucedido. Sobram os fanáticos evangélicos (e algum do novo politicamente correto luso-brasileiro) a aplaudi-lo e a recebê-lo com honras que nada têm de honrado. Veremos se Portugal fará parte desse grupo.

Escrevi-o aqui bem antes do mais recente flagelo na Amazónia. Acredito que hoje, ainda mais do que ontem, muitos entenderão melhor o tiro no pé que representaria para o Estado português servir como uma espécie de normalização do governo Bolsonaro junto da União Europeia. É bom para a democracia que o presidente brasileiro esteja a ficar refém das suas próprias atitudes políticas e palavras colocando em causa os interesses fundamentais do Brasil. Tudo se inicia ainda antes do impacto da crise na Amazónia e consequente ameaça ao acordo da União Europeia – Mercosul e da reunião do G7, mas tudo se adensou desde aí.

Com base nesta crua realidade e como a emenda não parece existir no governo Bolsonaro, nem sequer chega a ser pior que o soneto inexistente, mantém-se o combate a qualquer apoio com um propósito colonialista (!) na Amazónia.     

Ainda este fim-de-semana o embaixador brasileiro em Portugal publicou um artigo no Expresso enaltecendo, entre outras, a ponderação do governo português em contraste com a excitação da maioria dos países nesta matéria. Além desta lógica contrariar muitos dos dados recentemente conhecidos, parece passar ao lado do mais relevante.

Vejamos:

Apurado o último mês pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais brasileiro (INPE), os factos que não são alternativos e que menos interessam ao governo brasileiro por terras lusas, apontam para um agosto que ultrapassa todos os níveis do mesmo mês nos últimos oito anos. Quer em área ardida, quer no número de focos. Com base nos mesmos dados e em comparação aos últimos quatro meses de cada ano (setembro a dezembro são dos meses com piores índices e maiores dificuldades), pode-se prever com alguma segurança que este será o pior dos últimos 7 a 10 anos.

Num contexto de uma gravidade infinitamente superior à dos últimos anos e em que toda uma comunidade científica de especialistas não foi apenas ignorada, mas também ridicularizada enquanto alertava para a necessidade de políticas de preservação ao invés das de exploração que foram seguidas, eis que nos chega uma realidade paralela para português bobo engolir.

Como já cantava Chico Buarque relativamente a outros tempos, apesar de você, amanhã vai ser outro dia. Também nestes tempos parece-me que o amanhã virá mais cedo do que tarde. Sobretudo porque o Brasil não é os EUA e porque este governo conta pouco para qualquer país que quer contar para alguma coisa. Saiba-se, pois, preservar o amanhã apesar do Bolsonaro hoje.    

   

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