Carlucci também já é nome de casa na Lapa

O histórico embaixador dos EUA em Lisboa foi homenageado com a atribuição do seu nome à residência oficial dos embaixadores norte-americanos. “Tem uns sapatos muito grandes para calçar”, disse Mike Pence ao actual inquilino.

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A actual residência do embaixador dos EUA foi construída para o Conde dos Olivais, no fim do século XIX Rui Gaudêncio
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As pinturas na sala onde Carlucci e Soares se encontravam Rui Gaudêncio
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Um dos quartos da residência Rui Gaudêncio
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A embaixatriz Mary Glass e o embaixador George Glass Rui Gaudêncio
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O casal recheeou as paredes com arte sacra da sua colecção privada Rui Gaudêncio
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A sala de jantar da casa Rui Gaudêncio

A sala onde George E. Glass escolhe começar a conversa não é a mais rica ou deslumbrante da casa. Tem, aliás, umas pinturas nas paredes que dificilmente agradarão a todos – por isso ali estão umas cortinas brancas, prontas para ser corridas por quem queira desenjoar daquela representação da Lisboa oitocentista.

A Lisboa real está do lado oposto, para lá das grandes vidraças viradas ao Tejo, ao casario que se espraia pela Lapa e Madragoa. “Esta é a melhor vista da cidade”, afiança Glass, embaixador dos Estados Unidos em Portugal desde há dois anos. Essa afirmação é discutível (qualquer dono de casa alta em Lisboa dirá o mesmo), por isso olhe-se antes para o que esta sala tem de único.

Foi aqui que Mário Soares e Frank Carlucci se encontraram inúmeras vezes nos anos seguintes ao 25 de Abril, quando o primeiro queria impedir o avanço do comunismo no país e o segundo, embaixador dos EUA, lhe serviu como poderoso aliado nesse desiderato.

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Na sala onde se encontravam Carlucci e Soares há uma fotografia de ambos Rui Gaudêncio

A sala era então usada como lavandaria. “Este era o único sítio onde tinham a certeza que não seriam escutados”, garante George Glass, sentado talvez à mesma mesa onde Soares e Carlucci almoçaram em 2006. Nesse “reencontro com a História”, testemunhado pelo PÚBLICO, Mário Soares confirmou-o: “Sucede que nesta rua se tinham fixado algumas embaixadas de Leste e havia a ideia de que poderia haver por aqui algumas escutas indesejáveis.”

Vem isto a propósito da iniciativa tomada por Glass, já consumada na fachada do edifício sob a forma de painel de azulejos. A residência oficial do embaixador dos EUA em Lisboa passou a chamar-se “Casa Carlucci”, que o actual inquilino diz ser uma forma de homenagear e perpetuar um homem com “determinação, coragem e empatia”, que “tinha um conjunto de capacidades extraordinárias” e que “realmente compreendia os portugueses”.

Mary Glass, a embaixatriz, resume: “Portugal esteve ao lado dos EUA na luta pela sua independência e os EUA estiveram ao lado de Portugal na luta pela sua democracia.”

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A cabeça alaranjada de Donald Trump é uma adição recente Rui Gaudêncio

Frank Carlucci, que morreu em Junho de 2018 com 87 anos, foi embaixador em Lisboa entre 1975 e 1978. Porquê dar o seu nome a uma casa que aqui está desde o século XIX e conheceu inúmeros ocupantes? “O nome dele está sempre a aparecer”, diz George Glass, que revela o que lhe disse Mike Pence, vice-presidente de Donald Trump, quando o escolheu para ocupar o cargo: “Tem uns sapatos muito grandes para calçar.”

Como muitas das suas vizinhas da Lapa, esta casa é um palacete de proporções generosas, construído em 1878 para residência do Conde dos Olivais. Antes de aqui chegarem, no princípio de 2017, George e Mary Glass não tinham ideia do que viriam encontrar. “As fotografias não eram grande coisa. Não sabíamos o que esperar”, diz o embaixador, com uma risada.

Nas salas sucedem-se os tectos estucados e as paredes repletas de espelhos e quadros. Os espaços são amplos, como convém a uma casa de origem nobre, e no último piso há uma colunata a ladear a escadaria. “Esta é a casa mais bonita onde alguma vez viveremos”, desabafa a embaixatriz. O casal encheu as divisões com arte sacra, uma paixão de longa data que vem ao de cima em feiras de antiguidades, de onde provêm ícones, madonnas do século XV, trípticos de igrejas espanholas, cenas da vida de Cristo.

Mas há igualmente quadros com outros temas – a emigração para os Estados Unidos e as migrações internas – e arte contemporânea. O exemplo mais evidente é uma enorme escultura em vidro cor-de-laranja, logo à entrada do palacete, representando a cabeça de Donald Trump. É também nesta divisão que está um retrato relativamente grande de Frank Carlucci, colocado aqui poucos dias antes de a casa receber o seu nome.

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