Os 50 NÃO são os “novos 40”

Aos 50 anos, a opinião alheia importa muito pouco, perdendo terreno para a vontade própria. Afinal, os 50 anos já me vão permitindo o egoísmo de ser igual a mim mesma...

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"Aos 50 anos, a opinião alheia importa muito pouco, perdendo terreno para a vontade própria" Camila Cordeiro/Unsplash

Nasci em Setembro de 1969, ou seja, há cinquenta anos. Exactamente 50 anos, 50 voltas da terra (mais décimas de segundo, menos décimas de segundo, que me perdoem as ciências exactas...).

50 anos, que eu não quero que sejam os “novos 40”.

Porque 50 anos são 50 anos, caramba!

É meio século de descobertas, de experiências, de aprendizagens, de amores que foram de perdição e cujos rostos, hoje, já mal consigo recordar, de perdas que sangraram a alma e de ganhos que a fizeram renascer.

E isto porque passaram 50 anos, e não porque passaram uns supostos “novos 40”.

Aliás, o que é isso dos “novos” 40, 30, 20? Que ideia é esta, que nos tentam impingir, que o tempo se anda a retardar 10 anos, à conta de cremes anti-rugas, modas teen e liftings vários?

Aos 50 anos, a miopia e a escrita foram-me apequenando os olhos. As femininas adiposidades foram-se adensando, justamente aonde menos se deveriam adensar. O cabelo perdeu brilho e a pele elasticidade...

Aos 50 anos, os filhos escapam-se-me por entre os dedos, a caminho da vida, que lhes cumpre viver...

Aos 50 anos a paixão fez-se amor e fez-se certeza...

Aos 50 anos, a opinião alheia importa muito pouco, perdendo terreno para a vontade própria. Afinal, os 50 anos já me vão permitindo o egoísmo de ser igual a mim mesma...

Mas, atenção, são os 50 anos e não esses “novos 40”, que me tentam vender.

São 50 anos carregados de memórias, que não se retrasam uma década: as memórias de uma televisão a preto e branco, com apenas dois canais, em que aos contidos e monocórdicos óculos negros, das Conversas em Família, se sucederam os emotivos clamores, gritados por bigodes farfalhudos, à União dos Camaradas.

Ou as memórias das pastilhas elásticas Pirata, compradas na mercearia do senhor Joaquim, numa esquina desse bairro, onde brincávamos na rua nas noites de verão.

Um bairro onde acabava a cidade e começava um imenso subúrbio, feito de barracas que subiam encostas ou ladeavam estradas, construídas pelas mãos rudes da pobreza beirã ou transmontana e, depois, multiplicadas em crioulos vários.

As memórias dos jantares de frango assado na Baixa e das sessões de cinema no Tivoli ou no Condes.

As memórias dos autocarros verdes de dois andares e da malinha de cabedal do vendedor de bilhetes.

As memórias da Feira Popular, onde se comiam miaus (e nunca mais uma bifana teve aquele sabor), e os adultos se sentavam no Café dos Pretos (um nome que hoje seria impossível, e cuja decoração, feita de palhotas, constituiria, no presente, um marco infame do preconceito racial). E a cabeça que girava, de pura felicidade, nas voltas do rola-rola. E o mundo que parecia um imenso algodão-doce.

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Aos 50 anos, resistem memórias da Feira Popular Nuno Ferreira Santos

As memórias dos comboios do Estoril, com carruagens de bancos azuis (primeira classe) e bancos castanhos (segunda classe).

As memórias dos saldos da Loja das Meias, na esquina do Rossio com a Rua Augusta, para onde a minha mãe me arrastava, por entre uma multidão feminina, porque o vestuário era, à época, coisa cara e a alternativa mais económica, situada poucos metros acima, na Rua dos Fanqueiros, não primava pelo bom-gosto ou pela modernidade.

Uma modernidade que, mais tarde, enchia os Porfirios, a loja onde as adolescentes como eu compravam roupa.

As memórias dos penosos poemas niilistas, rabiscados numa folha de papel.

As memórias do Quarteto e do absoluto fascínio do (bom) cinema, discutido em longas conversas à mesa de um café.

As memórias de um Bairro Alto renovado e vanguardista e de uma 24 de Julho que nascia para uma noite que já não era, apenas, a do Cacau da Ribeira.

As memórias dos atrasos comunicados, em atrapalhações de moedas, numa cabine telefónica.

As memórias do saber que se encerrava nos livros requisitados na biblioteca, ou nas sebentas que passavam de mão em mão. Um saber que foi perene, sem precisar de “peer review”.

Memórias que, de tão numerosas, só cabem mesmo em meio século.

E meio século são exactamente 50 anos, ainda que passados em ritmo de vertiginosa mudança. Uma mudança que, ao invés de os converter nos “novos 40”, poderia, quando muito, convertê-los nos “novos 100” (ou 150…)!

E é por fidelidade a estas orgulhosas memórias de 50 anos de vida, que eu não aceito a troca por esses tão apregoados “novos 40”, ainda que mos queiram vender totalmente recauchutados...

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