Man of Medan sabe apenas um truque

A Supermassive Games apresenta uma obra que falha enquanto jogo de terror devido a poucas ideias, uma história fraca e personagens ligeiras.

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Depois de obter um sucesso retumbante com Until Dawn, a Supermassive Games está agora apostada em desenvolver uma colecção de videojogos de terror intitulada The Dark Pictures Anthology. O primeiro jogo dessa série, Man of Medan, foi publicado no recentemente e, depois de terminado, salva-se a aposta na componente multijogador e alguns momentos avulso.

A aventura começa com um breve prólogo que nos leva até aos anos 1940. Serve para mostrar como era a vida e, sobretudo, a morte a bordo daquele navio. Saltando para o presente, Man of Medan apresenta-nos as cinco personagens que começam o jogo num pequeno barco, Duke of Milan, para irem procurar um avião da Segunda Guerra Mundial que, alegadamente, está no fundo do mar.

Os eventos arrancam enquanto duas personagens exploram o avião afundado – os namorados Alex e Julia – e levam a que o grupo acabe por encontrar o navio Medan, onde decorreu o prólogo. Forçados por um grupo de pescadores que parecem saídos do filme Capitão Phillips, são personagens que acabam em locais diferentes, movendo-se pelo navio enquanto tentam escapar aos pescadores, encontrar-se novamente e, no melhor dos cenários, escapar com vida.

Ao longo da aventura vamos fazendo escolhas que conduzem a narrativa, optando por ramificações feitas com a pressão de um contador em contagem decrescente – ou por não fazer nada. A jogabilidade determina quem chega ao fim para contar a história, pois a produtora inglesa volta a dotar uma obra com quick time events, momentos em que temos de pressionar o botão que é brevemente indicado no ecrã.

Isto obriga a estarmos sempre preparados para intervir, sendo a diferença que pode levar, por exemplo, uma personagem a ser alvejada, ou alguém a ser apanhado, ou a diferença entre alguém morrer ou continuar o seu ramo narrativo. A descarga de adrenalina está lá, mas há alguns momentos em que fica a sensação de que o jogo tem algum problema em registar o comando.

Compete-nos ainda deslocar estas personagens pelos cenários, com o jogo a determinar quem é que controlamos do grupo em determinado momento. Tal como em Until Dawn, porém, o movimento das personagens é pesado e algo rombo, efeito que incute a sua dose de frustração se tivermos em consideração que Man of Medan decorre maioritariamente em cenários escuros e não se acanha no uso de corredores e esquinas apertados.

Sendo uma proposta que ronda as cinco horas, a história e os protagonistas tinham que ser interessantes e dotados de personalidades distintas. Man of Medan tem para consulta um menu onde podemos verificar como está a relação entre as personagens, todavia, quando os créditos aparecem, ficamos com um punhado de muito pouco. Mais: como raramente há o investimento emocional por parte do jogador, as mortes ou os salvamentos in extremis não exultam a emoção que mereciam.

No centro de tudo isto está Conrad, devoto da cerveja e suficientemente irritante para ser o eleito sem grande custo a tentar salvar a tripulação do sequestro inicial. Há também Julia e Alex, os namorados. Contudo, Julia é também irmã de Conrad; Alex é irmão de Brad, o introvertido do grupo que estudou o suficiente para encontrar o avião que é o motivo desta expedição. E há também Fliss, capitã do Duke of Milan e figura mais autoritária do quinteto.

Não é preciso ter-se jogado muitos videojogos, lido muitos livros ou visto muitos filmes para compreender que a intenção é colocar em cena cinco personagens diferentes, esperando que o argumento e as escolhas dos jogadores as façam colidir. Há algumas cenas em que as escolhas são genuinamente complicadas – como avisar alguém ou esconder-se; levar ou não equipamento pesado –, assim como momentos em que podemos colocar na personagem a nossa própria personalidade.

Mas as personalidades não são interessantes, varejando clichés e apanhando o que vai caindo. Volvidas algumas horas, Alex resolve levantar a suspeita de que Fliss está secretamente a colaborar com os pescadores. Está simplesmente a colocar esta ideia no subconsciente do jogador, como se estivesse a perguntar “já começaram a pensar nesta hipótese?” Poucos minutos depois, está-lhe a pedir desculpa, corroborando uma tentativa rasteira de nos fazer a nós, mais do que aos restantes membros do grupo, suspeitar de Fliss.

Neste jogo do gato e do rato, do “agora estão presos, agora conseguiram libertar-se, fujam mais uns minutos”, a obra raramente compreende o poder do silêncio narrativo. O silêncio seria mais eficaz num jogo de terror do que sucessivos “isto é estranho” e “que sítio é este”, entre muitas outras tiradas escritas por alguém que não se chama Aaron Sorkin. Isto não acontece apenas na primeira, segunda ou terceira horas, sendo um chorrilho, uma cacofonia de chavões.

Finalmente, Man of Medan apresenta o The Curator, mas nunca chegamos a jogar com o misterioso homem que aparece entre os actos principais para preencher os buracos narrativos. Rodeado de livros, caveira na mesa, falas suaves e seguras, é uma personagem que serve de contexto. Na teoria serviria para quebrar a escuridão e o terror, mas na prática não acrescenta nada de importante.

A Supermassive Games pensou nos jogadores que não querem experienciar tudo isto de forma solitária, colocando à nossa disposição dois modos multijogador: Shared Story e Movie Night. Com outros jogadores, Man of Medan é mais fácil de tragar, ainda que não se transforme subitamente numa excelente obra. No primeiro modo, é online que até dois jogadores podem passar a aventura em conjunto. Em Movie Night, o número de jogadores sobe para cinco, mas o multijogador é local.

Através do modo Shared Story, os dois jogadores atacam a obra ao mesmo tempo, jogando com personagens diferentes que participam nas suas respectivas cenas em simultâneo. Este modo permite encarnar personagens que não têm grande destaque em determinadas cenas durante o jogo a solo, ou seja, permite assistir a alguns trechos expandidos em comparação com a aventura a solo.

No modo Movie Night, Man of Medan pisca o olho ao género Party Game, colocando-se na linha da frente para um serão com amigos. Cada um com a sua personagem e passando o comando quando chega a sua vez de jogar, e graças à elevada dependência das escolhas e das relações entre os cinco, é um bom complemento para as componentes a solo e cooperativa. Aliás, o multijogador é a maior surpresa, brincando e fazendo algo de novo com os moldes tradicionais das obras de terror.

No lado oposto do espectro, a Supermassive Games falha em compreender uma das bases do género. Os sustos fáceis são tantos, que deixam de surtir efeito. A fórmula de aproximar a câmara e fazer algo aparecer no ecrã em simultâneo com um efeito sonoro é aplicada com uma cadência ridícula. É a saída mais fácil para assustar o jogador, porém, subtrai à experiência como um todo, pois denota falta de ideias e preguiça.

Mesmo com alguns soluços na framerate quando jogado numa Xbox One X e com uma modelagem de personagens que oscila entre o impressionante e um aspecto de cera, o grafismo de Man of Medan apresenta efeitos e texturas nos cenários bem conseguidos. É pena que as vistas não sejam mais variadas, mas o que coloca no ecrã está pejado de detalhe, fazendo o jogador parar por diversas vezes para contemplar.

O primeiro jogo inserido na The Dark Pictures Anthology não é motivo para rejeitar já a nova aposta da produtora. Mesmo que seja um molde que se presta bem a várias passagens pela campanha e que a componente multijogador seja uma boa novidade, personagens mal desenvolvidas e descartáveis, uma história fraca com uma recta final apressada e falta de ideias na hora de assustar os jogadores fazem com que Man of Medan fique aquém. A continuação, Little Hope, chegará algures em 2020. Pode ser que então a Supermassive Games tenha algo mais contundente.

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