Saída de Lagarde do FMI deixa Presidente argentino sem aliada de peso

A directora-geral do Fundo Monetário Internacional arriscou a sua reputação para Mauricio Macri receber ajuda financeira internacional. Mas as políticas exigidas pela organização não estão a ter bons resultados.

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Tornou-se comum Macri e Lagarde falarem ao telefone por causa do empréstimo do FMI Reuters/MARCOS BRINDICCI

O Presidente argentino, Mauricio Macri, perdeu uma aliada de peso com a saída da francesa Christine Lagarde da direcção do Fundo Monetário Internacional (FMI) para o Banco Central Europeu. O FMI anunciará a 15 de Setembro a decisão sobre se desbloqueia uma nova tranche de 5,4 mil milhões de dólares de ajuda financeira à Argentina e o chefe de Estado já disse que cumpriu os requisitos exigidos.

“O FMI tem sido o maior financiador de Macri ao longo do último ano e claramente que estava à espera que fosse reeleito para que o neoliberalismo continuasse na Argentina”, disse ao PÚBLICO Alan Cibils, coordenador do Departamento de Economia da Universidade Nacional General Sarmiento, em Buenos Aires.

Em Junho de 2018, o Presidente argentino pediu um empréstimo de 57 mil milhões de dólares ao FMI, o maior na história da organização e que representa 60% da sua capacidade de empréstimo, para Buenos Aires poder respeitar os compromissos com os investidores. Lagarde desempenhou um papel fundamental nas negociações, aliando-se a Macri, diz a Bloomberg, para que o empréstimo fosse concedido – as conversas telefónicas entre os dois tornaram-se habituais.

“É claro que Lagarde apostou a sua reputação neste resgate”, disse Benjamin Gedan, director do Projecto Argentina no Wilson Center, à Bloomberg. Lagarde abandonará oficialmente o cargo no FMI a 12 de Setembro. 

Em troca do dinheiro, o Fundo exigiu austeridade fiscal e reformas estruturais, com Lagarde a dar o seu toque pessoal: incluiu cláusulas sobre gastos sociais, para apaziguar os custos sociais dos cortes, e de promoção de igualdade género no acordo. Mas, no fundo, as políticas, garantiu Cibils, continuam as mesmas que se viram na Grécia, em Portugal, na Irlanda e noutros países intervencionados pela organização: “Há uma ligeira mudança no discurso, mas as políticas são basicamente as mesmas”.

Os resultados não têm sido, de longe, os melhores. O desemprego subiu, a pobreza aumentou (20%), a dívida escalou (de 52% do PIB, em 2015, para 86% em 2018) e a inflação é galopante (50%). “Todos os indicadores económicos pioraram e, além dos lucros dos bancos, não há um único positivo”, garantiu o economista argentino, sublinhando que o Governo continua a “insistir em mais austeridade” para receber a nova tranche. Opinião partilhada pelo consultor de investimento Fernando Pertin em declarações à Forbes: “Continuam a fazer a mesma coisa [as políticas económicas] e os resultados não mudam”.

“Um ano depois do acordo, o país está na mesma situação de quando pediu a ajuda do FMI. As coisas não melhoraram, estão piores: temos 56 mil milhões de dólares adicionais de dívida”, garantiu Cibils. “O FMI tem uma grande crise em mãos, para a qual contribuiu significativamente.” E, escreveu o Financial Times, nenhum dos objectivos do fundo – estimular o crescimento económico, gerar emprego e combater a pobreza e reduzir a inflação – foi alcançado num ano de programa de intervenção financeira.

A situação económica deteriorou-se tanto que a dívida soberana argentina pode voltar a ser alvo de fundos financeiros especulativos ao contestarem uma eventual reestruturação nos tribunais e lucrando com indemnizações, dado que o Presidente argentino já disse ao FMI querer reestruturar a dívida. Os títulos de dívida a 100 anos estavam no início desta semana a ser negociados a 38 cêntimos de dólar e, quando chegarem aos 30, os fundos voltarão a estar interessados, diz a Bloomberg.

Mas os títulos estão vinculados a cláusulas de acção colectiva, impedindo acordos separados da maioria dos investidores e a repetição do que aconteceu em 2001, quando a Argentina deixou de pagar a dívida e os fundos contestaram a decisão de Buenos Aires nos tribunais norte-americanos. Nesse processo, só se chegou a acordo 13 anos depois, em 2014.

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