Supremo Tribunal Federal do Brasil proíbe censura de BD com beijo gay

O prefeito do Rio de Janeiro condenou o conteúdo do livro Vingadores, a Cruzada das Crianças e mandou fiscalizar material com temática gay na Bienal do Livro. Após um vaivém jurídico, o Supremo proibiu a censura da obra.

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O beijo homossexual de Vingadores, a Cruzada das Crianças DR

O Supremo Tribunal Federal do Brasil (STF) condenou e proibiu, no domingo, a polémica decisão do prefeito do Rio de Janeiro de mandar apreender uma banda-desenhada na Bienal do Livro. Marcelo Crivella havia ordenado a recolha do volume Vingadores, a Cruzada das Crianças, da Marvel, alegando ser preciso proteger os menores daquilo que considerou um conteúdo impróprio — o desenho de um beijo entre duas personagens do mesmo sexo. A polémica rebentou na passada sexta-feira, após Marcelo Crivella ter declarado no Twitter que “a Prefeitura do Rio de Janeiro está protegendo os menores da cidade”.

Marcelo Crivella declarou que “a prefeitura do Rio de Janeiro está protegendo os menores da cidade”

Marcelo Crivella declarou que “a prefeitura do Rio de Janeiro está protegendo os menores da cidade”

No domingo, o Supremo decidiu dar provimento ao pedido da procuradora-geral da República do Brasil, Raquel Dodge, segundo a qual a acção da Prefeitura feriu “frontalmente a igualdade, a liberdade de expressão artística e o direito à informação”. “O acto da Prefeitura do Município do Rio de Janeiro discrimina frontalmente pessoas por sua orientação sexual e identidade de género, ao determinar o uso de embalagem lacrada somente para obras que tratem do tema do homotransexualismo”, argumentou ainda a procuradora-geral na sua exposição ao STF.

Dando razão a Raquel Dodge, o presidente do Supremo, Dias Toffoli, considerou que a apreensão, “ao estabelecer que o conteúdo homoafectivo em publicações infanto-juvenis exigiria a prévia indicação de seu teor”, equiparava as relações entre pessoas do mesmo sexo “a conteúdo impróprio ou inadequado à infância e juventude, ferindo, a um só tempo, a estrita legalidade e o princípio da igualdade, em disposição que – sob pretensa protecção da criança e do adolescente – se pôs na armadilha subtil da distinção entre protecção e preconceito”.

De acordo com o comunicado disponível na página on-line do STF, Toffoli lembrou ainda “jurisprudência que confere à união civil de casais formados por pessoas do mesmo sexo os mesmos direitos dos casais heterossexuais, com base no princípio constitucional que veda qualquer discriminação em virtude de sexo, raça ou cor”. E sublinhou que o regime democrático pressupõe o “livre trânsito de ideias": “De facto, a democracia somente se firma e progride em um ambiente em que diferentes convicções e visões de mundo possam ser expostas, defendidas e confrontadas umas com as outras, em um debate rico, plural e resolutivo. Além desse carácter instrumental para a democracia, a liberdade de expressão é um direito humano universal – previsto no artigo XIX da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948 –, sendo condição para o exercício pleno da cidadania e da autonomia individual.”

A decisão de Crivella suscitou vários protestos no sábado. Bandeiras com o símbolo do arco-íris foram erguidas em diversos pontos do Rio de Janeiro, e casais homossexuais beijaram-se em simultâneo, para mostrar que o que se vê na BD Vingadores, a Cruzada das Crianças é um facto de todos os dias.

Também Celso de Mello, o mais antigo membro do STF ainda em exercício, havia enviado um recado a Crivella através do jornal Folha de São Paulo: “Sob o signo do retrocesso, cuja inspiração resulta das trevas que dominam o poder do Estado, um novo e sombrio tempo se anuncia, da intolerância, da repressão ao pensamento, da interdição ostensiva ao pluralismo de ideias e do repúdio ao princípio democrático”.

Youtuber brasileiro Felipe Neto comprou 14 mil livros sobre a temática LGBT

Youtuber brasileiro Felipe Neto comprou 14 mil livros sobre a temática LGBT

A tentativa de censura à BD da Marvel, que está à venda no Brasil desde 2016, acabou por promover o que se queria censurar, concluía este fim-de-semana o jornal O Globo. Todos os exemplares da obra foram vendidas e algumas editoras presentes na Bienal do Livro triplicaram a facturação em relação ao mesmo dia da edição anterior. E esta procura excepcional não beneficiou apenas a literatura de temática LGBT, mas todos os títulos do catálogo. Muitas pessoas foram mobilizadas pela acção do youtuber brasileiro Felipe Neto, que comprou 14 mil livros sobre a temática LGBT à venda na bienal e anunciou que iria distribui-los gratuitamente no evento. Os cariocas, atraídos pela causa, ficaram para comprar. Texto editado por Inês Nadais

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