Inquérito permanente vai ditar a ambição do Arquivo Nacional do Som

Equipa coordenada por Pedro Félix deu a conhecer o programa de acção deste órgão, que ainda não tem sede nem orçamento.

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O primeiro comunicado do Movimento das Forças Armadas, no 25 de Abril de 1974, é um dos sons que podem vir a integrar este arquivo DR

Seis meses depois de criada, a equipa responsável pela instalação do Arquivo Nacional do Som apresentou o seu programa e anunciou o lançamento de um inquérito nacional permanente, que vai permitir avaliar a dimensão e os custos futuros do projecto. O anúncio foi feito esta segunda-feira à imprensa, no foyer do Teatro Nacional de São Carlos, em Lisboa, pelo coordenador da comissão, Pedro Félix, na presença dos ministros que tutelam a iniciativa: Graça Fonseca (Cultura) e Manuel Heitor (Ciência, Tecnologia e Ensino Superior).

“Muitos são os sons, uns reconhecidos como património central à identidade de um país ou de uma comunidade, todos fontes históricas e científicas. De todos eles tratará o Arquivo Nacional do Som”, diz-se no programa, já acessível online. Com que objectivo? “Assegurar a preservação desses eventos acústicos, gravados num qualquer suporte, e disponibilizá-los a todos.” Dito assim, parece uma impossibilidade técnica ou um desejo utópico. Mas noutro ponto esclarece-se que se trata de “garantir o futuro dos conteúdos áudio, peças fundamentais do património comum, essenciais para a produção de conhecimento e marcos históricos cuja preservação é um dever de todos”.

Na apresentação pública, Pedro Félix (antropólogo e coordenador da comissão que conta ainda com Sílvia Sequeira, licenciada em Ciências Musicais, e Miguel Lourenço, licenciado em Conservação e Restauro) admitiu que, “virtualmente, ao Arquivo do Som cumprirá acolher tudo” e que, “à partida, não há critérios a montante que não sejam técnicos e exequíveis para o funcionamento da estrutura”. Porém, esclareceu, “o trabalho de incorporação estará condicionado por elementos técnicos e também por decisões apoiadas por um conjunto de curadores, especialistas em determinadas áreas”.

Ou seja, há “quase um algoritmo de ponderações” a filtrar o que será incluído. Exemplos de sons a preservar ali apresentados: a leitura do primeiro comunicado do Movimento das Forças Armadas no 25 de Abril de 1974, um excerto de uma peça de teatro de revista (Uma lição de gramofone) ou o som de pássaros misturado com o ruído do aeroporto, captados no bairro de Alvalade.

O Arquivo Nacional do Som vai juntar-se às “mais de 400 instituições espalhadas pelo mundo com a missão de preservar o património sonoro, calculado muito genericamente em mais de 75 milhões de fonogramas nos mais diferentes suportes”, diz-se no programa. A ministra Graça Fonseca também sublinhou este número, dizendo que “nesta matéria estamos alguns anos atrás do que devíamos estar”. Mas disse também que este atraso acaba por ter “uma mais-valia”: o “estado da arte” da evolução tecnológica. O ministro Manuel Heitor sublinhou, por sua vez, que “muito já foi feito, mas muito está por fazer”, desejando que “estes projectos tenham uma ambição muito grande”. E deu como exemplos o que está a ser feito com a obra de Siza Vieira, a arte rupestre do Vale do Côa ou a viagem de circum-navegação.

O lançamento de “um inquérito nacional permanente”, a curto prazo, permitirá recolher informações para, diz-se no programa, “tomar as medidas mais adequadas e eficazes por forma a proteger o património sonoro nacional”. Mas não há ainda sede escolhida nem ideia do montante a investir. Graça Fonseca: “Estamos a trabalhar com um objectivo: que possa funcionar numa instituição que já exista e onde o arquivo sonoro possa ser uma mais-valia.” Quanto ao investimento, ele dependerá da ambição, do espaço a ocupar, e do custo de eventuais laboratórios de digitalização e de restauro do áudio ou dos suportes físicos, diz Pedro Félix: “Quando tivermos os resultados do inquérito e uma noção do universo de que estamos a tratar, aí teremos mais informação para uma decisão ponderada relativamente à estrutura que tratará do arquivo do som.”

Criada por resolução do Conselho de Ministros a 7 de Fevereiro, a comissão entrou em funções a 1 de Março, tendo-se-lhe juntado a 26 de Julho um conselho consultivo (não remunerado) composto por Salwa Castelo-Branco (etnomusicóloga), Paulo Ferreira de Castro (musicólogo), Sara Pereira (directora do Museu do Fado), Eduardo Leite (Arquivo da RTP) e António Tilly (etnomusicólogo).

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