Código da Consciência: um “escudo virtual” para impedir o desmatamento da Amazónia (e não só)

É um software de código aberto que consegue avisar — e até parar — as máquinas pesadas assim que elas entram em áreas protegidas, sem autorização. O Código da Consciência quer lutar contra a desflorestação ilegal e levar as empresas a “fazerem parte da solução”. O português Hugo Veiga é um dos líderes do projecto.

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Raoni Metuktire, líder Kayapó DR

Não havia um prazo definido para lançar o Código da Consciência, mas tendo em conta “tudo o que aconteceu na Amazónia nos últimos tempos”, o lançamento do projecto acabou por ser adiantado. Afinal, “é difícil impedir os homens de destruírem o nosso planeta, mas podemos parar as máquinas que eles usam”. E o Código da Consciência é um “escudo virtual” que pode evitar o desmatamento ilegal e ajudar a manter a floresta de pé.

O seu propósito quase pode ser traduzido à letra. Trata-se de um software gratuito e de código aberto que pode ser inserido em máquinas pesadas, avisando-as (ou desligando-as) caso entrem numa área protegida ilegalmente. É graças a uma base de dados das Nações Unidas, onde estão mapeadas todas as áreas naturais protegidas, que o comando consegue detectar se a máquina está a pisar território protegido.

Um dos cérebros por detrás desta “ideia ambiciosa” é Hugo Veiga, o português que arrecadou um Leão de Ouro no festival de publicidade Cannes Lions, com uma campanha viral da Dove. Há 14 anos a viver no Brasil, Hugo é o director criativo da AKQA, a empresa que lançou o projecto para preservar não só a Amazónia, mas qualquer área natural protegida no mundo — de uma forma “muito simples em termos de tecnologia”, explica, em entrevista telefónica com o P3.

O Código da Consciência pode ser descarregado gratuitamente a partir do site do projecto. Mas “pode funcionar de diferentes formas”, explica Hugo. “Uma empresa de maquinaria pesada pode inserir esse código nas suas máquinas e depois decidir, por exemplo, que se a máquina entrar numa área protegida será desligada a cada três minutos e [o motorista] receberá uma mensagem a dizer que tem que se afastar daquela área.” Ou seja, o código é fornecido às empresas interessadas, que depois o poderão ajustar da melhor forma “para o seu negócio”.

O apelo à utilização do código (e à consciência) é feito em vídeo, pelo cacique Raoni Metuktire, líder do grupo indígena Caiapó: “O Brasil é o coração da Terra. Mas alguns têm pressa em desmatar, têm ganância por madeira e vão derrubando as árvores.” Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais referidos no site, o desmatamento da Amazónia aumentou 278% em Julho de 2019. Mas Hugo não quer entrar em questões políticas, nem de atribuição de culpas: “As questões da protecção da natureza são apartidárias”, diz. Ainda assim, refere, “o próprio ministro do Ambiente já se reuniu com diferentes organizações não-governamentais e institutos para tentar encontrar uma ferramenta que ajude na fiscalização destas áreas protegidas” — e Hugo espera que este código seja essa ferramenta.

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Os criadores do Código da Consciência estão, neste momento, a “trabalhar em várias frentes”. Até porque o código é uma “solução a longo prazo": enviaram um convite a dez das maiores fabricantes de maquinaria pesada do mundo a convidá-las a instalar o código, mas este só deverá ser instalado em máquinas que estão a ser produzidas agora. Para uma solução mais instantânea, criaram um chip que contém “um sensor de GPS e um sensor 4G”, que pode ser incorporado em máquinas “mais antigas” — precisamente “as que estão a fazer essas operações ilegais em áreas protegidas”.

Apesar de “dificilmente alguma área da Amazónia ter 4G, com o sensor GPS — uma vez que funciona por satélite — conseguimos saber onde é que uma máquina [que tenha o chip] andou, mesmo que ela não tenha conexão”, refere Hugo. Desta forma, caso a instalação do código em máquinas pesadas se torne obrigatória por lei — a próxima conquista que querem alcançar —, será possível verificar se uma máquina saiu dos limites permitidos. De acordo com um estudo que fizeram, o chip pode ser aplicado numa máquina por apenas “cinco a dez dólares”.

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O chip pode ser instalado em máquinas antigas DR

Até ao momento, “uma grande empresa de tecnologia mundial” já demonstrou interesse em tornar-se parceira, “ajudando a melhorar o mapeamento dos dados das Nações Unidas”; outra empresa, “parte de um grande grupo que tem relações perto da Amazónia”, quer ser embaixadora do projecto — “não só instalando o código nas suas máquinas, como também obrigando os seus fornecedores a ter este sistema instalado”. Os criadores do projecto estão também em “conversas adiantadas” com empresas de equipamento de construção civil que se mostraram “bastante abertas a estudar o projecto”. É “o começo de um projecto maior”, espera Hugo. 

Para o projecto ter repercussões, é preciso “participação governamental” e que as empresas “comecem, por exemplo, a comprar máquinas a uma marca que tenha o sistema instalado”, atira. “A partir do momento em que [o código] vira negócio, muitos compradores vão querer essas máquinas, porque querem assumir um compromisso perante a sociedade.”

Mas a acção também pode passar pelos cidadãos. A partir do site, é possível partilhar uma publicação que convida as empresas de maquinaria pesada a adoptar o sistema. Mas Hugo salvaguarda: “Isto não é um projecto contra as empresas, elas não têm culpa que os humanos peguem nas suas máquinas e as usem para fins ilegais (…). As empresas podem controlar se querem fazer parte da solução.”

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