Oposição a Boris Johnson contra-ataca e recusa eleições antecipadas

Líder do Partido Trabalhista diz que só aceita ir a votos quando não houver hipótese de o Reino Unido sair da União Europeia sem acordo, o que só deverá acontece a partir de Novembro. Câmara dos Lordes já aprovou proposta de lei que impõe “Brexit” com acordo.

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Corbyn recuou na vontade de ir a votos nas próximas semanas LUSA/ANDY RAIN

Os partidos da oposição no Parlamento do Reino Unido anunciaram esta sexta-feira que vão opor-se à convocação de eleições antecipadas, que o primeiro-ministro, Boris Johnson, prometeu levar a votação na próxima segunda-feira. Numa semana cheia de voltas e reviravoltas, e nas vésperas do início da suspensão do Parlamento até meados de Outubro, os defensores de um novo adiamento do prazo de saída da União Europeia (UE) só admitem ir a votos quando a hipótese de um “Brexit” sem acordo for posta de parte – o que pode acontecer apenas depois de 31 de Outubro.

A decisão foi tomada numa reunião dos líderes do Partido Trabalhista, dos Liberais Democratas, do Partido Nacional Escocês (SNP) e do galês Plaid Cymru, que em conjunto têm 302 lugares na Câmara dos Comuns (a câmara baixa do Parlamento) – um bloco mais do que suficiente para travar a convocação de eleições com base numa lei especial de 2011, que exige pelo menos dois terços para que isso aconteça fora das datas previstas.

O líder da bancada do SNP, Ian Blackford, disse que o seu partido está “a desesperar por ir a votos”, mas a prioridade é fechar todos os caminhos a Boris Johnson, para que o Reino Unido só possa sair da UE após um acordo com Bruxelas.

“Não se trata apenas dos interesses do nosso partido, mas sim do interesse nacional”, afirmou o responsável.

Uma porta-voz dos Liberais Democratas, citada pela BBC, salientou que o acordo entre os partidos da oposição vai ao encontro do que o seu partido tem defendido: “Há algum tempo que dizemos que não aprovaremos a realização de eleições antes de acordarmos um adiamento com a UE. Acho que os outros [partidos] estão a chegar à mesma conclusão.”

Em resposta, o primeiro-ministro britânico voltou a acusar a oposição de cobardia, dizendo que fica “perplexo” com o “paradoxo mais extraordinário de sempre”: “Nunca na história um partido da oposição recusou uma oportunidade para ir a eleições”, disse Boris Johnson.

Mudança de posições

Numa questão de dias, a vontade de convocar eleições antecipadas transferiu-se do líder da oposição, Jeremy Corbyn, para o primeiro-ministro, Boris Johnson.

Mas nesta mudança de posições está em causa mais do que a chefia do governo britânico.

Com o actual Parlamento prestes a aprovar uma lei que, na prática, obriga o primeiro-ministro a pedir um novo adiamento do prazo final do “Brexit”, de 31 de Outubro para 31 de Janeiro de 2020, Boris Johnson tem apenas uma saída para se ver livre desse colete-de-forças: ir a votos o mais depressa possível, em princípio a 15 de Outubro, e virar o Parlamento a seu favor com uma maioria confortável de deputados conservadores e leais à sua estratégia, para manter as portas abertas a um “Brexit” sem acordo.

Segundo o primeiro-ministro britânico, o poder negocial do Reino Unido será muito maior se todas as possibilidades estiverem em cima da mesa na cimeira europeia de 17 e 18 de Outubro – talvez a última oportunidade para que as duas partes fechem um acordo antes da saída a 31 de Outubro.

Mas a oposição tem pedido, sem sucesso, que Johnson apresente provas de que há avanços nas negociações com Bruxelas. Segundo o líder do Partido Trabalhista, Jeremy Corbyn, o Governo não quer nenhum acordo com a UE e está a forçar um “Brexit” desordenado para se juntar num novo bloco liderado pelos Estados Unidos, retratando-o como um capacho do presidente Donald Trump.

É por isso que, no início da semana, o primeiro-ministro britânico não insistia muito, em público, na convocação de eleições antecipadas.

Quando ainda não sabia que iria perder a maioria de apenas um lugar no Parlamento – com a deserção do deputado Phillip Lee, na terça-feira –, e ainda esperava que os mais de 20 rebeldes no Partido Conservador desistissem de se juntar à oposição após uma ameaça de expulsão, a ideia de ir a votos não era urgente.

Mas, a partir de quarta-feira, quando a Câmara dos Comuns aprovou a proposta de lei para travar um “Brexit” sem acordo, as posições alteraram-se, e Jeremy Corbyn acabou por ceder aos apelos de grandes figuras do seu partido, como o antigo primeiro-ministro Tony Blair, para que não aprove a convocação de eleições – a que Blair chamou uma “armadilha”.

Esta sexta-feira, a Câmara dos Lordes confirmou a aprovação da lei, que deverá entrar em vigor já na próxima semana, após a assinatura da rainha.

Mas se os opositores de um “Brexit” sem acordo ganham com a recusa de eleições antecipadas nas próximas semanas, isso não significa que a estratégia de Boris Johnson esteja condenada ao fracasso.

Para além de poder ainda forçar eleições apresentando uma moção de confiança no seu próprio Governo – o que só não resultaria, de forma irónica, se a oposição se unisse para lhe dar confiança –, também ganha tempo para repetir junto dos eleitores a ideia de que Jeremy Corbyn tem medo de ir a votos e que o verdadeiro objectivo dos seus opositores é convocar um segundo referendo.

Isto porque a proposta de lei que foi aprovada esta semana pela oposição ainda abre uma porta a Johnson: se for a eleições, antes ou depois de 31 de Outubro, e vencer com uma maioria confortável e sem rebeldes, poderá propor a esse novo Parlamento que tire da mesa qualquer proposta de adiamento que tenha sido pedida até então.

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