A evaporação de água nas barragens “é um problema complicado”?

A declaração de Catarina Martins gerou polémica. Fazemos a Prova dos Factos.

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LUSA/JOÃO RELVAS

A Frase

“…temos barragens a mais, as barragens provocam evaporação, portanto nós estamos sempre a perder água e isto é um problema muito complicado…”

O contexto

A frase foi dita por Catarina Martins na terça-feira, no frente-a-frente com a líder do CDS, Assunção Cristas, na RTP3. Estava a discutir-se a política energética em Portugal e a líder do BE disse esta frase como justificação para o facto de ser contra a construção de novas barragens.

Os factos

O PÚBLICO pediu a opinião a Francisco Gomes da Silva, Professor do Instituto Superior de Agronomia e Director Geral da Agrogés, que explica o Ciclo da Água ou Ciclo Hidrológico. “Este ciclo (cuja narrativa pode iniciar-se em qualquer ponto) pode resumir-se como se segue. A água que cai sob a forma de precipitação, ou se infiltra no solo (alimentando lençóis freáticos) ou escorre superficialmente para rios ou outras massas de água superficiais (alguma, muita mesmo, cai directamente nos oceanos), correndo depois para o mar.”

Da água que se infiltra no solo, continua, “uma parte é absorvida pelas plantas no seu processo de desenvolvimento”. “As plantas, nos seus processos fisiológicos de base (transpiração, respiração e fotossíntese) retêm uma parte dessa água e libertam outra parte para a atmosfera (fenómeno conhecido por evapotranspiração). Por outro lado, da água que existe nas massas de água superficiais (rios, lagos, charcos, oceanos, albufeiras, canais de rega, etc…), uma parte evapora-se como consequência da acção da temperatura. A água assim evaporada (directamente das massas de água ou através da evapotranspiração das plantas), quando atinge camadas mais altas da atmosfera (com temperaturas mais baixas) condensa-se, formando nuvens, e torna precipitar, recomeçando o ciclo atrás resumido”. 

“Se não existissem barragens, a água que nelas é armazenada seguiria o seu curso em direcção ao mar, ‘perdendo-se’ tanto quanto se ‘perde’ a água que se evapora, pois toda ela reentra de novo no ciclo atrás descrito, embora em pontos diferentes. Esta noção de ‘perda’ tem apenas a ver com a perda de oportunidade de utilizar essa água para os diversos fins tão caros à humanidade, e que as albufeiras criadas pelas barragens proporcionam: produzir energia limpa, fornecer água de qualidade às populações, regar para produzir alimentos, fornecer água à indústria, e por aí fora”.

Realça ainda “que é graças à existência de barragens e albufeiras que podemos evitar ou minimizar as captações de água a partir do subsolo, mantendo essas massas de água subterrâneas como reservas importantes”.

Para este engenheiro agrónomo, que também foi secretário de Estado das Florestas no Governo de Passos Coelho, “só faz sentido falar em perdas de água por evaporação associadas às barragens, no sentido em que essa evaporação (que ocorre porque existe essa massa de água) diminui a quantidade disponível de água nessa albufeira para os diversos fins”.

“Não no sentido em que a dra. Catarina Martins quer fazer crer – o planeta perde água porque existem barragens que aumentam a evaporação. É bom que a dra. Catarina Martins perceba que os rios correm para o mar. Claro que, como referi atrás, a partir do momento em que se constrói uma barragem que cria uma massa de água, a evaporação é um fenómeno inevitável nesse local. Como o é na superfície de um rio, de um lago ou de um oceano”.

Do ponto de vista económico, acrescenta, “as perdas de água por evaporação associadas a uma albufeira só são relevantes porque, para o investimento feito, teremos menos água disponível do que teríamos se, por absurdo, este fenómeno não existisse. E ai do nosso planeta se assim fosse – sem evaporação não haverá vida na terra.”

O fenómeno de evaporação a partir de uma massa de água – por exemplo de uma albufeira ou de uma piscina – “ao longo de um ano irá depender de diversos factores, entre outros do volume dessa massa de água (por causa da inércia própria), da temperatura do ar e do vento. No entanto, e como referência para as condições médias em Portugal, podemos assumir que a evaporação sobre uma albufeira é de cerca de 1.000 mm/ano. Ou seja, ao longo de um ano evaporar-se-á cerca de 1 m3 de água por cada m2 de superfície do espelho de água. Ou, se quisermos, num dia quente e ventoso (evaporação máxima), a evaporação poderá chegar a cerca de 1 cm/dia. Mas note-se: se essa albufeira não existir, todo o volume de água armazenado perder-se-ia no sentido económico do termo, pois correria direitinho para o mar”.

Em resumo

Como Catarina Martins afirma, é facto que, nas barragens, a água evapora. Mas evapora num processo natural que se repete com a água do mar, dos rios ou das lagoas naturais. Se, como se depreende, a afirmação da líder do Bloco tinha subentendida a mensagem que a água das barragens é sujeita a perdas especialmente graves por efeito da evaporação, essa afirmação está errada. A evaporação nas barragens não é um “problema complicado”. 
 

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