Bloco regressa ao café Piolho à procura de novas formas de fazer política

Durante as próximas semanas, o Bloco de Esquerda retoma as tertúlias lançadas por Miguel Portas em 1999 e regressa ao café Piolho, no Porto, para falar sobre direitos humanos, eutanásia e da “geringonça”. Há caras bloquistas, mas não só. Mais do que falar, os bloquistas dizem querer ouvir e criar espaços de conversa.

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Uma das tertúlias organizadas pelo Bloco de Esquerda em 1999, com Manuel António Pina (à esquerda), Maria de Lourdes Pintasilgo (ao centro) e Miguel Portas (à direita) Cortesia de Egídio Santos

Há duas décadas, em ano de eleições, nascia o Bloco de Esquerda. A estreia do partido no boletim de voto aconteceu em Maio de 1999 quando Miguel Portas encabeçou a lista de candidatos do partido ao Parlamento Europeu. O fundador do partido não conseguiu reunir votos suficientes para ser eleito — viria a consegui-lo em 2004 —, e meses depois candidatou-se às eleições legislativas de 10 de Outubro, como cabeça de lista pelo Porto. Para “fugir ao modelo formatado dos comícios e das sessões de esclarecimento”, Miguel Portas organizou uma série de tertúlias no mítico café Piolho, no Porto. Vinte anos depois, o Bloco de Esquerda recupera a iniciativa e apresenta quatro tertúlias, de 10 de Setembro a 1 de Outubro. “Não é campanha, mas acompanha”, justifica o partido.

Nas tertúlias originais, as conversas foram conduzidas por Miguel Portas e pelo mandatário, jornalista e poeta Manuel António Pina e contaram com vários convidados, incluindo a antiga primeira-ministra, Maria de Lourdes Pintasilgo. Hoje, os painéis são diversificados e, à semelhança das primeiras conversas, não se limitam a aderentes ou apoiantes do Bloco de Esquerda. Há bispos, médicos, actores e activistas — e algumas caras bloquistas, como a da eurodeputada Marisa Matias — mas as quatro conversas “não pretendem ser de propaganda, nem para apresentar de forma fechada o que é o programa do Bloco de Esquerda”, sublinhou, em conversa com o PÚBLICO o deputado José Soeiro.

Nas legislativas de 1999, o Bloco reuniu 2,44% dos votos — o suficiente para eleger dois deputados — mas, hoje, o partido “tem muito mais força social”, assinala o bloquista. Nas eleições de 2015, o BE foi a terceira força política mais votada, elegendo 19 parlamentares. Apesar do crescimento — e do recente discurso adoptado pelos seus dirigentes, no qual o BE surge como o partido que pode evitar uma maioria socialista —, o candidato pelo círculo do Porto ressalva que o Bloco “mantém as suas raízes” e continua preocupado em “trazer novas formas de fazer política”. Por isso, os debates no café Piolho surgem como “alternativas aos formatos mais comuns e tradicionais”, como comícios e arruadas que continuam previstos para as duas semanas de campanha bloquista.

“O registo destas conversas funciona paralelamente. São programas que se complementam, não se excluem”, considerou o candidato. Para o BE, o regresso ao café Piolho pretende “multiplicar as formas de relação com pessoas, multiplicar os espaços de contacto e multiplicar as formas de aprender”. “Estamos a dar o mote às pessoas e depois a conversa seguirá de forma inteiramente livre”, argumenta José Soeiro, assinalando que “o mais significativo” é a “recriação desse espaço que marcou muito o início do Bloco no Porto”. “O Miguel [Portas] tinha um jeito próprio de criar uma relação com as pessoas e com a cidade. Há um gesto simbólico em recuperar essa experiência”.

Ainda que “a tertúlia não seja uma coisa nova, a ideia é que não sejam apenas os partidos a apresentar às pessoas aquilo que pensam, mas criar vários espaços onde as pessoas se possam expressar e onde os partidos fazem parte da conversa”, defende.

A proximidade entre estas conversas e as eleições legislativas não é ignorada. No entanto, José Soeiro distingue as iniciativas, insistindo que “não estão coladas ao programa do BE”, apesar de reconhecer que existem temas que se cruzam. É o caso da primeira conversa. O regresso ao café Piolho faz-se com um balanço sobre a “geringonça” e junta à mesa o comentador Daniel Oliveira, o bispo emérito D. Januário Torgal Ferreira e a actriz Sara Barros Leitão.

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Pedro Lamares (à esquerda), com José Soeiro (ao centro) e Catarina Martins, na apresentação da lista do Bloco de Esquerda Estela Silva/Lusa

O segundo debate pretende “olhar a sociedade não através do centro, mas das suas margens e pensar numa equação produtiva entre o direito à igualdade e o direito à diferença” e acontece sob o mote “Visto de perto, ninguém é normal”. As intervenções serão feitas pelo escritor Afonso Cruz, pela professora e activista Joana Cottim e pelo professor Luís Fernandes.

A terceira conversa — já em semana de campanha — discutirá a “vida, morte e autodeterminação”, olhando para das medidas do programa do BE, que propõe a despenalização da morte assistida. O encontro contará com a professora Ana Brito Jorge (membro do Movimento Cívico para a Despenalização da Morte Assistida), com o médico Bruno Maia (candidato do Bloco de Esquerda pelo Porto), e com o historiador Manuel Loff.

A última tertúlia, a 1 de Outubro, pretende abordar “as questões incómodas” dos direitos humanos e olhará não só para a realidade nacional, como para questões internacionais, “nomeadamente em relação à protecção de refugiados, com o que se passa no Brasil e em Itália, onde a esquerda tem de estar mais atenta e mais comprometida” e nela participarão Beatriz Gomes Dias, Maria Gil e Marisa Matias.

Os encontros acontecerão sempre às terças-feiras, às 21h30, e serão todos conduzidos pelo actor e mandatário do Bloco de Esquerda no Porto, Pedro Lamares.

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