Governo “europeu” em Itália. Quem falou em soberanismo?

Em poucos dias, a Itália mudou de governo, trocando o nacionalismo de Salvini pela sua histórica vocação europeísta. A primeira provação será, uma vez mais, a da “bomba migratória”.

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Sergio Mattarella e Guiseppe Conte Paolo Giandotti/EPA

A política italiana mudou de pele num abrir e fechar de olhos. Resta saber se de forma duradoura ou efémera. Depois da deriva nacionalista e soberanista, conduzida por Matteo Salvini e pela Liga, toma esta quinta-feira posse um novo Governo de coligação, desta vez entre o Movimento 5 Estrelas (M5S) e o Partido Democrático (PD), com apoio do movimento Livres e Iguais (LeU, esquerda). Foi tudo muito rápido. “O objectivo era afastar do governo o homem que queria fazer rei, Matteo Salvini”, resumiu o La Repubblica.

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A política italiana mudou de pele num abrir e fechar de olhos. Resta saber se de forma duradoura ou efémera. Depois da deriva nacionalista e soberanista, conduzida por Matteo Salvini e pela Liga, toma esta quinta-feira posse um novo Governo de coligação, desta vez entre o Movimento 5 Estrelas (M5S) e o Partido Democrático (PD), com apoio do movimento Livres e Iguais (LeU, esquerda). Foi tudo muito rápido. “O objectivo era afastar do governo o homem que queria fazer rei, Matteo Salvini”, resumiu o La Repubblica.

Desagregada a anterior maioria, M5S e Liga, anuncia-se uma drástica viragem política. O soberanismo dá lugar a uma opção europeísta. Muda a política de imigração. Salvini não morreu mas passa para a oposição. E Giuseppe Conte passa a ser um primeiro-ministro “normal”, deixando o papel subalterno de moderador entre dois vice-presidentes, Luigi Di Maio e Salvini.

Depois de consulta de três horas com o Presidente Sergio Mattarella nesta quarta-feira, Conte comunicou a composição do novo executivo. Não há vice-presidentes. Di Maio assume os Negócios Estrangeiros. Roberto Gualtieri, do PD, é o novo ministro da Economia. A sensível pasta do Interior, antes ocupada por Salvini, passa para a independente Luciana Lamorgese, até agora responsável pela polícia de Milão. Stefano Patuanelli, do M5S e um dos negociadores do novo acordo partidário, será ministro do Desenvolvimento Económico, sucedendo a Di Maio.

Os principais dirigentes do PD optaram por ficar fora do governo, como o secretário-geral Nicola Zingaretti, o “número dois” Andrea Orlando ou o antigo líder, Matteo Renzi. O nome mais destacado no novo gabinete é Dario Franceschini, ministro da Cultura. O PD sabe que corre riscos e a aliança com o M5S é polémica no seu interior. Zingaretti era, aliás, adepto de novas eleições para reafirmar a identidade do partido. Mas foi rapidamente ultrapassado por Renzi que, de irredutível adversário da aliança com o M5S, passou a seu advogado, como meio de esconjurar a ameaça da Liga.

Mas Zingaretti foi hábil ao atribuir ao seu partido o mérito de um “pequeno milagre”, comentou no Corriere della Sera o analista Paolo Mieli. “Pôde apresentá-lo a todo o povo de esquerda como resultado de uma tempestiva e sagaz mobilização antifascista que anulou o perigo de que Salvini assumisse os ‘plenos poderes’. Uma obra-prima.”

Também outra figura tutelar do centro-esquerda, o antigo-primeiro-ministro Romano Prodi, apelou à ultrapassagem das resistências ao Cinco Estrelas, depois da sua deriva ao lado de Salvini: “Mais vale um pecador arrependido do que 99 justos que não precisam de arrependimento.”

A “democracia directa”

O M5S estava num beco sem saída. A marcha de Salvini para a ruptura apanhou-o desarmado. Foi salvo pelos erros de cálculo do chefe da Liga, que apostou em que o PD pediria eleições. E pela iniciativa de três figuras. Mattarella não queria eleições que abrissem caminho a uma hegemonia da Liga. Giuseppe Conte, estimulado pelos apoios europeus, assumiu a resistência à Liga. O seu ataque directo a Salvini no Senado, a 20 de Agosto, marcou uma mudança de fase política. Por fim, houve a irrupção de Beppe Grillo que, suspendendo o seu “exílio”, regressou às lides, apelando à aliança com o PD para travar “a barbárie”.

O verdadeiro “patrão” do M5S, Davide Casaleggio, sempre foi favorável a governar com a Liga. Forçado a ceder, organizou com Di Maio o grande espectáculo do referendo na plataforma digital Rousseau. As bases, como sempre, foram obedientes. Durante três dias, Di Maio alimentou o suspense sobre o resultado. O referendo foi o centro da atenção mediática. O M5S passou a reivindicar a salvação da Itália pela “democracia directa”.

As chancelarias europeias respiraram de alívio. O Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, saudou a nova estrela italiana, Giuseppe Conte. A deriva da Itália tinha dramáticas repercussões internacionais. Os líderes europeus evitam a catástrofe de uma conjunção do “Brexit” com o “apocalipse” italiano. Aguarda-se o primeiro teste: o da “bomba imigração”. Roma espera que, desta vez, os vizinhos a ajudem.