De “Keizerball” a “Keizerfall”: dez meses de Sporting

Marcel Keizer sai do Sporting um dia depois do fecho do mercado de transferências, três dias depois de ter perdido com o Rio Ave e uma semana depois de ter sido líder da I Liga.

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Keizer após a conquista da Taça de Portugal LUSA/ANTÓNIO COTRIM

Passados 295 dias depois de ter surpreendido o futebol português com a contratação de Marcel Keizer, Frederico Varandas, presidente do Sporting, espantou novamente, desta feita com... o despedimento do treinador holandês.

Há quase 300 dias, ninguém esperava que o presidente recém-eleito pelos sportinguistas escolhesse um treinador carente de várias valências teoricamente valorizadas: títulos, provas dadas a nível sénior e conhecimento do futebol português. Certo é que seria difícil Varandas arranjar um treinador que preenchesse, cumulativamente, todos estes critérios, mas certo é, também, que Keizer não preenchia… nenhum deles.

A escolha “exótica” foi vista como um “statement” por parte de Frederico Varandas, isto é, a intenção de escolher um treinador que, pelo perfil surpreendente e inesperado, permitisse ao presidente reclamar os louros para si, em caso de sucesso, por ter descoberto uma “pérola” que ninguém conhecia.

Esta retórica foi, de resto, aplicada por Varandas após o início fulgurante de Keizer, com sete triunfos nos sete primeiros jogos. “Era a opção que me dava mais tranquilidade. Muito se fala dele hoje, e merece, porque é um grande treinador, um grande senhor. Não é fácil chegar a meio sem ter feito pré-época. Nem ele próprio acreditava que ia correr assim tão facilmente. O sucesso que está a ter como nosso timoneiro vem da estrutura do Sporting”, afirmou o dirigente dos “leões”, à época.

Varandas “bateu no peito”, pela escolha aparentemente vitoriosa, e tudo parecia encaixar nos elogios feitos pelo presidente.

Os motivos da saída

Keizer conseguiu, com rapidez considerável, ter a equipa a praticar um futebol atraente, o esperado “futebol à holandesa”. Ou “Keizerball”, como ficou conhecido.

Inesperada e fugazmente, o nível exibicional da equipa decresceu, sobretudo após a derrota em Tondela, em Janeiro. Nesse jogo, Keizer sentiu as consequências da instabilidade defensiva da equipa e o certo é que o estilo de jogo da equipa foi, aos poucos, sendo adaptado. Um Sporting “asfixiante”, de posse e de postura vincadamente ofensiva foi-se tornando, aos poucos, um Sporting mais calculista e prudente – talvez até tenha sido nisso que residiu a capacidade de vencer dois troféus em jogos “mata-mata”. 

O motivo do despedimento não foi detalhado por qualquer das partes, mas não é difícil perceber que os resultados (ou falta deles, no campeonato) também estarão no “topo da cadeia”, para além desta irregularidade exibicional. Resultados que, no caso de Keizer, significavam, há uma semana, a liderança da I Liga, mas significaram, uma semana depois, uma derrota em casa com o Rio Ave e a queda para o quinto posto.

Noutro âmbito, Keizer terá “morrido” pela falta de carisma. Calmo, raramente efusivo e pouco dado a predicados comunicativos, o técnico holandês parece nunca ter gozado de um capital de apreço popular, até pela postura passiva no banco, que pouca confiança deu aos adeptos “leoninos”.

Por fim, houve o fecho do mercado de transferências. É difícil saber se as movimentações do último dia – saíram Raphinha, Diaby e Thierry Coreia, entraram Fernando, Jesé Rodríguez e Bolasie – tiveram o aval e concordância de Keizer. Teoricamente, por ainda ser o treinador, sim. Na prática, por ter sido despedido no dia seguinte, não.

E o facto de Keizer ainda pouco falar português, dez meses depois de ter chegado a Lisboa, também não deve ser negligenciado, até porque a distância comunicacional entre treinadores e jogadores e adeptos é, em tese, sempre negativa, e sê-lo-á mais ainda para um técnico titubeante nos resultados e a precisar de convencer uma massa associativa exigente.

Leonel para fazer a Ponte

Com a saída do Sporting, Keizer tornou-se (entre treinadores que começaram temporadas) o que mais cedo foi despedido em toda a história do clube. Despedido após a quarta jornada, o holandês bateu o italiano Materazzi (1999) e o português Sá Pinto (2012), despedidos após a quinta ronda.

Este facto é enviesado pelo calendário das paragens para as selecções – Varandas poderá ter aproveitado a paragem para antecipar uma eventual saída já idealizada –, mas é, ainda assim, sintomático: Varandas foi o presidente que mais rapidamente despediu um treinador ao qual foi dado o início de temporada.

A hora da despedida foi de agradecimento. Nesta terça-feira, Varandas disse que “até na saída Keizer foi um senhor” e disparou: “Venceu dois títulos e cumpriu a missão”. Varandas fez uma escolha arriscada, há dez meses, e, na hora da despedida, optou por olhar para o copo meio cheio.

Descontando Jorge Jesus, os dois títulos de Keizer foram mais do que ganharam, juntos, os 12 treinadores do Sporting da última década. Mas o terceiro lugar no campeonato não foi diferente, em matéria de título, do que fizeram os últimos 15 treinadores “leoninos”.

O futuro imediato está, agora, nas mãos de Leonel Pontes. O técnico madeirense, actualmente nos sub-23, fará algo que já fez em 2009, entre Paulo Bento e Carlos Carvalhal: cabe-lhe a missão de fazer a “Ponte” entre Keizer e a próxima aposta de Frederico Varandas.

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