Pelo direito à greve

O Governo ao impor “serviços mínimos máximos” pôs em causa o direito à greve, o que é um sério aviso a todos os sindicatos, principalmente aos que não têm o “chapéu de proteção” da CGTP e da UGT, os sindicatos independentes.

As recentes greves da autoria do Sindicato Nacional dos Motoristas de Matérias Perigosas (SNMMP) chamaram a atenção para um setor que os cidadãos desconheciam.

O que o comum dos mortais quer é chegar a um posto de abastecimento de combustível, abastecer a sua viatura, sem se preocupar com quem o carregou, com quem o transportou, e com quem o descarregou.

Os portugueses ficaram a saber que a remuneração base da maioria destes trabalhadores é na ordem dos 630 euros, trabalhando mais horas do que as habituais 8 horas diárias (excetuamos a Administração Pública) e se trabalharem 11 ou mais horas apenas recebem 2 horas de trabalho extraordinário, a primeira paga a 50%, a segunda paga a 75% [a célebre cláusula 61.º do CCTV celebrado entre a Associação Nacional de Transportadores Públicos Rodoviários de Mercadorias (ANTRAM) e a Federação dos Sindicatos dos Transportes e Comunicações (FECTRANS), filiada na CGTP].

Com esta greve, no seguimento da ocorrida em Abril, o Governo ao impor “serviços mínimos máximos” pôs em causa o direito à greve, o que é um sério aviso a todos os sindicatos, principalmente aos que não têm o “chapéu de proteção” da CGTP e da UGT, os sindicatos independentes.

O direito à greve é, antes de mais, um direito constitucional consagrado no artigo 57º da Constituição da República Portuguesa (CRP):

1. É garantido o direito à greve.

2. Compete aos trabalhadores definir o âmbito de interesses a defender através da greve, não podendo a lei limitar esse âmbito. 

3. A lei define as condições de prestação, durante a greve, de serviços necessários à segurança e manutenção de equipamentos e instalações, bem como de serviços mínimos indispensáveis para ocorrer à satisfação de necessidades sociais impreteríveis. 
4. É proibido o lock-out.

A greve é um direito dos trabalhadores independentemente da natureza do vínculo laboral que detenham, do sector de actividade a que pertençam e do facto de serem ou não sindicalizados. São os trabalhadores que definem a amplitude de interesses a defender pela greve.

O direito à greve vem também consagrado no Código do Trabalho nomeadamente nos artigos 530º a 543º. Para nós existiu violação claríssima da Lei da Greve e do artigo 57.° da Constituição da República Portuguesa no que concerne aos serviços mínimos!

O Governo ao impor serviços mínimos muito para além dos “indispensáveis para ocorrer à satisfação de necessidades sociais impreteríveis” (CRP) imiscuiu-se no conflito, colocou-se ao lado da ANTRAM, contra os trabalhadores. Desta forma, anula a defesa dos interesses dos trabalhadores que justificam a greve e está assim a violar a CRP.

Sindicatos amarelos eram normalmente formados ou financiados pelas entidades patronais, no século XIX em França e na Alemanha, com o objetivo de, pela divisão dos trabalhadores, defender os seus próprios interesses e não os da classe trabalhadora. Constituídos para dividir os trabalhadores, são contra a greve e adotam posições conciliadoras com os empregadores. A denominação de “amarelos” decorre da fama de “fura-greves”. 

A FECTRANS, num período agudo da greve, “põe-se a jeito”, assinando um “memorando” com uma das associações representativas dos empregadores, a ANTRAM, com o “alto patrocínio” do 1.º Ministro, procurando “esvaziar” a greve, contribuindo para o divisionismo no seio dos trabalhadores, rompendo com uma regra de ouro do sindicalismo – manter a independência perante qualquer Governo - como refere a historiadora do trabalho Raquel Varela em Os camionistas a defender a nossa democracia.

É evidente que a representatividade sindical da FECTRANS é duvidosa, nomeadamente no setor dos motoristas de matérias perigosas, como também parece ser o caso do Sindicato Independente de Motoristas de Mercadorias (SIMM), o qual deitou a “toalha ao chão” antes de tempo, “amarelando” a sua postura!

Somos pela revisão do Decreto-Lei n.º 637/74, de 20/11, a chamada lei da requisição civil, porquanto o mesmo esbarra com os preceitos constitucionais, designadamente com os artigos 138.º (Declaração do estado de sítio ou do estado de emergência), 161.º (Competência política e legislativa), 197.º (Competência política) e 275.º (Forças Armadas), reiterada e conscientemente violados na greve de 12 de Agosto! E o Presidente da República, que tem a obrigação de zelar pelo cumprimento da Constituição, foi conivente com o Governo!

O direito à greve é “um direito irrenunciável que, sendo mal exercitado, ou reprimido, coloca em causa a democracia e o Estado de direito” como refere Torres Couto (antigo líder da UGT) em O labirinto de uma greve: os caminhos que ninguém devia ter seguido. Muito mais haveria a dizer, o tema não se esgota e, certamente, teremos oportunidade de a ele voltarmos. Por um sindicalismo digno e independente!

Os autores escrevem segundo o novo acordo ortográfico

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