O “Brexit” dos ingleses

O Reino Unido é um país constituído por três nações (Inglaterra, Escócia e País de Gales) e parte de uma quarta, a Irlanda, que corre o risco de se abstrair do que é e de se resumir ao que Timothy Garton Ash chamou a “imperdoável negligência pós-imperial dos ingleses partidários do “Brexit””.

Há um discurso (sobretudo inglês) que, embora reconheça a turbulência do “Brexit”, também defende que, nos últimos três anos, a economia do Reino Unido obteve resultados superiores ao que era de esperar, por oposição aos da zona euro, pelo que “ninguém ficaria chocado se isso continuasse a acontecer com ou sem acordo”, como escreve a The Spectator no seu editorial. Mas por muito resolúveis que possam ser os riscos económicos, que não o são, o “Brexit”coloca questões políticas de repercussões inimagináveis.

O Reino Unido é um país constituído por três nações (Inglaterra, Escócia e País de Gales) e parte de uma quarta, a Irlanda, que corre o risco de se abstrair do que é e de se resumir ao que Timothy Garton Ash chamou a “imperdoável negligência pós-imperial dos ingleses partidários do “Brexit””. Sessenta e dois por cento do eleitorado escocês e mais de 58 por cento do eleitorado da Irlanda do Norte votaram a favor da permanência na UE e isso não pode ser suspenso.

A estratégia de rejeitar o backstop acordado com a UE, para evitar uma fronteira física entre a Irlanda do Norte e a República da Irlanda, como forma de forçar uma saída por causa de uma suposta intransigência europeia, pode acentuar tensões nacionalistas que serão tudo menos inócuas. A estratégia de Dominic Cummings, o organizador da campanha do Vote Leave e actual estratega do Governo, é demasiado inglesa e arriscada e não parece ter em conta o periclitante Acordo de Sexta-Feira Santa, que em 1998 pôs termo ao conflito entre católicos e protestantes.

A situação da Irlanda do Norte é excessivamente explosiva para ser tratada com esta aparente ligeireza, ainda por cima quando se assiste já a um aumento da violência sectária. O estado comatoso em que se encontra — os republicanos do Sinn Féin e os unionistas do DUP não se entendem e a Irlanda do Norte está com um Governo de Gestão desde Janeiro de 2017 — impede que os irlandeses se façam ouvir.

Enquanto os primeiros vêem numa eventual fronteira física a impossibilidade de uma união entre as partes da Irlanda, os segundos (que suportam o actual Governo em Westminster) querem também um acordo sem backstop por acharem que isso a logo prazo poderia fazer com que a Irlanda do Norte deixasse de ser parte do Reino Unido. Uma saída desordenada do Reino Unido pode implicar o sacrifício do acordo de paz na Irlanda do Norte. Até onde irão as fronteiras de Boris Johnson?

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