Conhecendo o presente, como será o futuro?

É indispensável evitar as “cápsulas” de interesses e impulsionar a participação conjunta da sociedade, de grupos de ética e direito, de políticos, cientistas e engenheiros. É imperativo saber identificar e interpretar bem os desejos da humanidade.

A humanidade é uma criação do desejo, não uma criação da necessidade

Gaston Bachelard (1884-1962)

O futuro nunca esteve tão presente. Mas o presente depende do passado e este desvela desejos da humanidade. E, com Gaston Bachelard, serão os desejos que criam o futuro da humanidade? Em grande parte sim, mas há necessidades sempre presentes: a saúde e o amor, a segurança e o poder, o prazer e a justiça. As técnicas foram decisivas na continuidade da humanidade e com as políticas públicas e o mercado tiveram um papel decisivo na qualidade de vida que uma parte da população usufrui. As técnicas foram moldando de forma difusa os presentes e os futuros da humanidade. Mas o futuro parece, agora, depender muito das novas tecnologias, que induzem novas necessidades e dependências, e são muito mais abrangentes e disruptivas que as anteriores. Muitos políticos aceitam esse destino como inevitável. O presente (2019) convoca-nos para uma reflexão sobre o futuro, a tecnologia, a política e a humanidade. Instalou-se um estado de espírito catastrofista relativamente ao planeta. A adolescente Greta Thunberg é ouvida como vidente com mensagem redentora. Não diz algo de objectivamente novo. Mas é uma imagem com impacto. Desde há muito que se escreve e fala sobre ameaças associadas a impactos antropogénicos, a combustíveis fósseis e à poluição industrial. As contribuições da filosofia, da ética e da sociologia da técnica são numerosas, e não são de ignorantes ou irracionais. Os políticos participam em conferências e fazem afirmações, os cientistas fazem relatórios, a engenharia do ambiente e as energias renováveis consolidaram-se. Organizações não-governamentais têm feito acções e propostas. Medidas de mitigação foram aplicadas na Europa.

 Mas devemos ir à raiz dos problemas. Somos informados que mais de metade do carbono expelido para a atmosfera por combustíveis fosseis foi emitido, no mundo, nas últimas três dezenas de anos (D. Wallace-Wells, The Uninhabitable Earth, Allen Lane, 2019, p.4): resultado de crescimento constante e de consumo intensivo, desregulação, intensificação do comércio livre e mercado mundiais? Muitos produtos são agora banidos. Solicita-se a responsabilidade das pessoas como se tivessem escolhido entre alternativas. Mas, durante anos, confiaram em produtos mais úteis e apresentados como cada vez mais sofisticados. Especialistas reuniam-se em congressos e divulgavam as vantagens. Autoridades aprovavam. O que se passou? O que orienta muitos dos conhecimentos científicos para benefício duradouro da humanidade e outros para uma produção que provoca a potencial destruição das condições de vida no planeta? Uma parte da realidade tende a ficar na “face oculta da lua” (o que não se divulga e é decisivo). Alguns produtos foram sendo encapsulados pelos mercados e apresentados como o “progresso”. Mas muitos têm três fases: o fascínio (novidade), a consolidação (produção em massa) e o declínio (crítica). Acontecerá de novo no futuro. Algumas das novas tecnologias são ou serão muito úteis e extraordinárias mas comportam ameaças e riscos em diversos aspectos. Após a ameaça ao planeta que a jovem Greta anuncia, será que teremos uma ameaça à condição humana? Os políticos temem interferir: a competitividade, o crescimento económico, a competição geoestratégica, o receio de desemprego e crise e a crença dum “progresso técnico” no lado positivo da história são justificações. No presente, o desenvolvimento da actividade científica e a competição tecnológica e de mercados exigem financiamentos muito (e cada vez mais) elevados com a contrapartida de valor económico acrescentado. Um livro recente e oportuno de uma socióloga francesa analisa as relações entre o mundo académico e a indústria (C. Lanciano –Morandat, CNRS, 2019). E as principais empresas tecnológicas são monopólios mundiais que fazem frente aos Estados e interferem na privacidade. A ética e a democracia são desvalorizadas.

Tal como está o mundo no presente é ousado propor soluções únicas para cenários tão variados. A vontade de progresso social estará cada vez mais confinada à dinâmica empresarial e de mercados? Em 19/8/19 os grandes patrões norte-americanos (Business Roundtable) alteraram um dogma do economista M. Friedman (1912-2006): “a responsabilidade de uma empresa é a de aumentar os seus lucros” (1970). Agora aprovaram um conjunto de novas responsabilidades sociais e ambientais sustentadas. Terá efeito nas escolas de gestão? Serão os políticos pressionados pela sociedade para encararem as raízes dos problemas e o que está “na face oculta”? Ou esperamos por governos poderosos de âmbito planetário em alternativa a uma sociedade submissa e dirigida por sistemas automáticos sem rosto? Os produtos da tecnologia serão mais duradouros e adaptáveis à inovação e não orientados para a obsolescência acelerada? Uma formação mais integrada e não tão separada em “mundos” técnicos e não-técnicos, onde a boa ficção literária possa fortalecer sensibilidades humanas a longo prazo, será possível? É indispensável evitar as “cápsulas” de interesses e impulsionar a participação conjunta da sociedade, de grupos de ética e direito, de políticos, cientistas e engenheiros. É imperativo saber identificar e interpretar bem os desejos da humanidade.

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