A política florestal explicada em futebolês

O rendimento silvícola é essencial para assegurar uma adequada gestão. Gestão essa que deve incorporar medidas de contenção dos riscos.

A definição de floresta tem sido motivo de crescente controvérsia a nível internacional. De facto, é bizarra a inclusão numa mesma definição de um ecossistema florestal natural e uma plantação de espécie exótica. Todavia, na presente abordagem vamo-nos cingir aos espaços arborizados destinados à produção de bens, como madeira, cortiça e outros, associados às espécies exótica e autóctones dominantes em Portugal.

Em Portugal, a política florestal é regulada, ou deveria ser, por uma Lei de Bases aprovada em 1996, por unanimidade. Já lá vão 23 anos. Duas décadas de muitos atropelos à letra da lei. O que é mediático nos espaços arborizados em Portugal são, infelizmente, os incêndios. Vamos procurar explicar o que está na base deste problema, recorrendo para o efeito ao futebolês.

Imaginemos que temos de preparar uma equipa para defrontar o Labaredas Futebol Clube. Se a aposta for acentuada no guarda-redes, no combate aos incêndios, corremos o risco de massacrar este jogador a inúmeros remates, potenciando muitos golos ao adversário. De facto, a tendência ao longo das últimas décadas é a do aumento anual da área ardida em Portugal. Há um crescente desequilíbrio no histórico de resultados, a favor do Labaredas. Torna-se óbvia a necessidade de reforçar a defesa, a prevenção, para reduzir ao mínimo os remates à nossa baliza. O combate é o último reduto.

Em todo o caso, o jogo continua a ocorrer no nosso meio-campo, sem criar perigo ao adversário. Adversário esse que é implacável e traiçoeiro. Há, pois, que apostar no meio-campo, na gestão dos espaços arborizados. Até aqui, tudo decorre conforme as habituais intervenções dos especialistas e os discursos dos políticos. Há que apostar na prevenção, na gestão, no ordenamento, dizem!

Bom, mas continuamos a não ter equipa preparada para marcar golos na baliza do Labaredas. Haverá equipa ganhadora sem ataque, sem pontas-de-lança? Certo é que só se chega às principais Ligas marcando golos, acumulando vitorias, ganhando milhões. Milhões para reforçar a equipa, para custear esse esforço. Esforço esse que vai do guarda-redes ao ponta-de-lança, do combate aos incêndios à gestão silvícola activa. É exactamente aqui que está o problema. As goleadas que são infligidas pelo Labaredas Futebol Clube são consequência da sistemática (propositada) ausência de uma estratégia ofensiva. O rendimento silvícola é essencial para assegurar uma adequada gestão. Gestão essa que deve incorporar medidas de contenção dos riscos, sejam eles os incêndios, sejam as pragas e as doenças. Estas últimas são menos mediáticas, mas têm tido um colossal impacto destrutivo.

O rendimento é a causa para a defesa, pela gestão activa, dos espaços arborizados produtores de bens e serviços. Mais ainda, num país onde esses espaços estão maioritariamente na posse de famílias. Racionalmente, as expectativas de rendimento influenciam o modelo de gestão, o nível de contenção dos riscos. Em 2017, último ano de que há registos do INE, o valor acrescentado bruto e o rendimento da silvicultura estão a um nível ainda muito aquém do registado em 2000. Ao contrário do inscrito na Lei de Bases, a melhoria do rendimento esteve muito longe de ter sido assegurada nestas últimas duas décadas. Esta é, entre outras, uma causa decisiva para as contínuas vitórias do Labaredas.

O que tem condicionado a ausência de aposta no ataque, na melhoria do rendimento? Bom, digamos que o Labaredas FC tem bons agentes infiltrados nas decisões políticas. Decisões essas que passaram pelo desmantelamento da entidade reguladora dos mercados silvícolas, o árbitro. Mercados esses que estão a funcionar em concorrência imperfeita, dominados por grandes grupos empresariais no lado da procura. Grupos esses que apostam (autorizadamente) em estratégias de manipulação de preços à oferta, a produção de bens de base silvícola.

As portas giratórias existentes entre o poder e a indústria, sobretudo de celulose, têm assegurado a restricção do rendimento à produção silvícola. Associa-se o facto de as estruturas representativas da produção terem sido incapazes de inverter esta situação. Há, todavia, que ter em conta que este desequilíbrio afecta a população em geral. Por esse facto, impõe-se a intervenção do Estado sobre o funcionamento destes mercados. Aliás, como ocorre noutros sectores económicos, como nas telecomunicações, energia ou Saúde. Todavia, sem que os danos sejam catastróficos como os decorrentes do desequilíbrio nos mercados silvícolas, quer nas populações, quer no território.

Afinal, queremos ou não infligir derrotas ao Labaredas FC? Se sim, não podemos permitir que os discursos fiquem pelo combate, prevenção, gestão e ordenamento. Na base destes está o rendimento, a distribuição da riqueza ao longo das cadeias de produção de bens de base silvícola.

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