Alegado criador da bitcoin obrigado a entregar metade da fortuna

Craig Wright, o australiano que outrora disse estar por detrás do pseudónimo Satoshi Nakamoto, é acusado de mentir em tribunal quando diz que já não tem acesso aos fundos.

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Reuters/BENOIT TESSIER

O homem australiano que se autodeclarou como o criador da bitcoin em 2016 foi ordenado a transferir metade do seu património na moeda digital à família do antigo parceiro de negócios, Dave Kleiman, que morreu há seis anos. Agora, Craig Wright, 49 anos, com uma fortuna que o próprio diz ser de um milhão de bitcoins (mais de dez mil milhões de dólares, ao preço actual), pode ter de pagar o equivalente a cerca de cinco mil milhões de dólares (4,5 mil milhões de euros).

A decisão veio de um juiz na Florida que acredita Wright terá submetido documentos falsos em tribunal sobre o seu papel na criação da divisa digital. O processo judicial começou em 2018, quando Craig Wright foi acusado pelo irmão de Kleiman de roubar mais de quatro mil milhões de euros na moeda digital ao seu parceiro de negócios. Na altura, a família – que hoje acredita que Dave Kleiman esteve envolvido no processo de criação da divisa – pedia oito mil milhões de euros.

Vários aficionados da criptomoeda esperavam que o processo em tribunal trouxesse novas pistas sobre o verdadeiro criador da bitcoin. Mas não foi o caso. Nem se conseguiu determinar exactamente quantas bitcoin Wright tem. Caso tenha de facto um milhão de bitcoins, o montante coloca-o como uma das 400 pessoas mais ricas do mundo – embora vender uma grande quantidade de bitcoins possa fazer baixar rapidamente o preço de uma moeda conhecida pela volatilidade.

No resumo dos procedimentos legais, o juiz responsável pelo caso frisa que “o tribunal não é obrigado a decidir, e não decide, se o acusado, o dr. Craig Wright, é Satoshi Nakamoto, o alegado criador da ciberdivisa bitcoin”, nem “quantas bitcoin o senhor Wright detém, nem se as tem”. A sentença resulta de uma sequência de testemunhos incoerentes, documentos falsificados e outros que ficaram por entregar. “Quando era favorável, o senhor Wright parecia ter uma excelente memória e atenção a detalhes. De resto, era agressivo e evasivo”, lê-se nos documentos do tribunal.

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Craig Wright apresenta-se como o inventor da bitcoin CraigWright.net

Até 2015, o nome de Craig Wright nunca tinha surgido associado à bitcoin, que foi criada em 2009. A atenção mediática chegou com a notícia de que as autoridades australianas estavam a investigar o envolvimento de Wright com a bitcoin, levando a suspeitas que fosse o criador da tecnologia. Foi nesta altura, que a família de Kleiman percebeu o nível de envolvimento de Dave Kleiman na tecnologia. Os dois começaram a falar em 2008, meses antes de Satoshi Nakamoto (o pseudónimo do misterioso criador da bitcoin) ter publicado um artigo na Internet a explicar como funcionaria a moeda.

Kleiman era um antigo militar do exército dos EUA, paraplégico desde 1995, que se dedicava à programação. Desde 2000 que escrevia sobre uma nova forma de dinheiro electrónico em fóruns que mais tarde foram utilizados por Satoshi Nakamoto para divulgar informação sobre a bitcoin. Foi encontrado morto em casa, em Miami, EUA, em 2013: uma arma ao seu lado e uma bala no tapete pareciam indicar suicídio, mas a causa oficial de morte foi a infecção com uma bactéria resistente à penicilina. Estava falido, mas pouco antes da morte tinha fundado uma empresa com Wright para produzir bitcoins. Wright terá dito à família de Kleiman que esta poderia no futuro vender as acções de Kleiman da empresa, mas esse dia nunca chegou. Em 2018, a família decidiu seguir pela via legal.

O Tulip Trust

O processo em tribunal não foi conclusivo, mas Wright é acusado de não colaborar com as autoridades. “O acusado preencheu declarações falsas, produziu documentos falsos conscientemente, e mentiu sob juramento”, escreveu o juiz.

Um dos problemas é a história sobre o Tulip Trust –  um fundo fiduciário com milhões de bitcoins que foi criado em 2011 pelo próprio Dave Wright e que deveria ser devolvido ao criador em 2020. Wright diz que colocou as bitcoin que juntou entre 2009 e 2010 nesse fundo, depois de a moeda começar a ser associada a lavagem de dinheiro e actividades ilegais para as proteger. É também neste fundo que deve estar o dinheiro investido por Kleiman na moeda digital – só que Wright argumentou que não tem acesso ao fundo. O tribunal norte-americano tem dúvidas.

 “A 18 de Abril, o dr. Wright disse que as suas bitcoins tinham sido transferidas para um fundo fiduciário [que não controlava] e por isso não lhe pertenciam”, explica Reinhar nos procedimentos legais. “Era inequívoco na declaração que o fundo tinha bitcoins. Porém, no seu depoimento no dia 26 de Junho, mudou a história para dizer que o fundo continha um ficheiro encriptado com a chave de acesso para as bitcoin.” Mais tarde, explica que a chave se divide em 15 partes e que a última, que distribuiu por pessoas em quem confiava, só pode lhe será revelada em Janeiro de 2020.

O processo ainda não acabou. Wright ainda pode recorrer da decisão, e um argumento possível é que o crime prescreveu.

Em declarações à imprensa, o porta-voz de Wright, Ed Pownall, diz que o Tulip Trust é uma prova clara de que o seu cliente é o verdadeiro criador da bitcoin, mas a identidade de Craig Wright como criador da bitcoin continua a ser questionada. Se fosse o criador, seria fácil provar a sua identidade porque qualquer transacção com bitcoins é pública e assinada com a combinação de uma chave pública e privada. Para provar que alguém é o misterioso inventor da bitcoin, bastaria assinar digitalmente outra transacção com a mesma chave privada de Satoshi Nakamoto. É algo que Wright nunca fez.

Wright também continua a alegar ser incapaz de transferir as bitcoins para a família de Dave Kleiman. No futuro, tal transacção poderá também afectar o valor da bitcoin – uma divisa extremamente volátil, com poucas ligações à economia real, e ausência de reguladores externos, ou uma entidade central.

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