MP pede dissolução do sindicato de motoristas de matérias perigosas por causa de Pardal Henriques

O MP não o revela, mas em causa estará a participação do advogado na assembleia constituinte do sindicato. Uma “desconformidade” com a lei. Sindicato diz que nunca foi notificado de qualquer irregularidade.

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Pedro Pardal Henriques Rui Gaudêncio

O Ministério Público (MP) pediu a dissolução do Sindicato Nacional de Motoristas de Matérias Perigosas (SNMMP) numa acção que deu entrada este mês junto do Tribunal do Trabalho de Lisboa. O MP não o revela, mas em causa estará a participação do advogado Pedro Pardal Henriques na assembleia constituinte do sindicato. Esta participação foi confirmada ao PÚBLICO pelo próprio Pardal Henriques e pelo presidente do sindicato.

A acção “foi instaurada na sequência da Apreciação Fundamentada sobre a legalidade da constituição e dos Estatutos do SNMMP, a qual foi, nos termos da lei, efectuada pela DGERT - Direcção-Geral do Emprego e das Relações do Trabalho e remetida ao Ministério Público. Da análise do processo de constituição e dos estatutos da mencionada associação, concluiu-se pela existência de desconformidades com preceitos legais de carácter imperativo, designadamente a participação na assembleia constituinte de pelo menos uma pessoa que não é trabalhador por conta de outrem, no âmbito profissional indicado nos estatutos”, afirma no seu site a Procuradoria da República da Comarca de Lisboa.

Questionado sobre o papel da Direcção-Geral do Emprego e das Relações do Trabalho (DGERT) - responsável pela análise e publicação dos estatutos das associações sindicais - neste processo, o Ministério do Trabalho respondeu através do gabinete de imprensa que o MP solicitou informações a este organismo “no âmbito de um processo por si desencadeado, sobre algumas normas estatutárias do sindicato em causa”.

“Na sequência deste pedido, a DGERT analisou os aspectos específicos requeridos pelo Ministério Público, tendo remetido a sua apreciação fundamentada a esse respeito”, acrescentou, sem esclarecer o que foi pedido em concreto pelo MP. Contudo, o PÚBLICO apurou que o pedido de informações sobre o SNMMP chegou à DGERT em finais de Maio e que uma das questões colocadas estava relacionada com os fundadores do sindicato.

Os estatutos do SNMMP foram publicados no Boletim do Trabalho e do Emprego de 8 de Novembro de 2018 e até ao pedido do MP a AGERT não tinha colocado qualquer questão relacionada com os estatutos ou com a identidade dos associados. Só quando questionada pelo MP fez uma análise mais profunda dos elementos que lhe forma solicitados.

Nas respostas que enviou nesta quarta-feira ao final do dia, o Ministério do Trabalho esclareceu que cabe ao Ministério Público promover a declaração judicial de extinção da associação sindical ou empresarial, caso entenda que a sua constituição ou os seus estatutos são desconformes com a lei.

Fonte oficial do Ministério do Trabalho lembra ainda que “só uma decisão judicial transitada em julgado pode, a partir do momento da publicação em Boletim de Trabalho e Emprego (BTE) dos estatutos de associações empresariais e sindicais, decretar a extinção de uma associação empresarial ou sindicato”. Assim, continua, “a associação em causa continua a ter personalidade e capacidade jurídica para tal, enquanto não for proferida decisão judicial transitada em julgado e o cancelamento do seu registo não for publicado no BTE”.

Presidente do sindicato São Bento surpreendido

Em declarações ao PÚBLICO, o presidente do SNMMP, Francisco São Bento, mostrou-se surpreendido com esta notícia, da qual, alega, apenas teve conhecimento pela comunicação social.

Francisco São Bento confirmou que Pedro Pardal Henriques é o único elemento do sindicato que não é trabalhador no âmbito profissional indicado pelos estatutos e desconhece quem possa ter interposto a acção no Ministério Público a pedir a apreciação desse documento. “Sublinho, apenas, que os estatutos foram aprovados pela DGERT”, disse Francisco São Bento, que notou ainda o facto de o processo ter sido distribuído no dia 9 de Agosto, a três dias do início da mais recente greve dos motoristas.

“Não sabíamos que esse processo estava a decorrer. Não fomos notificados de rigorosamente nada”, disse Francisco São Bento, referindo que o sindicato ainda “está a tentar perceber o que é que se está a passar”, antes de fazer uma declaração pública sobre o assunto. 

Na área de distribuição de processos do Portal Citius, do Ministério da Justiça, é possível verificar que a Petição Inicial, que tem como “autor” o MP e como “réu” o SNMMP, deu entrada no Juízo do Trabalho de Lisboa em 9 de Agosto, foi distribuída ao Juiz 3 no dia seguinte e o processo está classificado como “Impugnação Estatutos/Delib.Assembleias/Actos Eleitorais”.

Segundo fontes judiciais ouvidas pela Lusa, como a acção deu entrada em período de férias judiciais, só no início de Setembro é que o processo chegará às mãos do juiz a quem foi distribuído, razão pela qual o SNMMP ainda não foi “citado” para se pronunciar sobre a mesma.

"Este sindicato incomoda muita gente"

Já durante a tarde desta quarta-feira, Pedro Pardal Henriques fez algumas declarações às televisões, sublinhando as várias perplexidades que lhe traz este processo. A começar, o facto de o “Ministério Público e outros organismos oficiais junto da DGERT” já terem fiscalizado e aprovado os estatutos antes de serem publicados. Porque, sustenta, o processo passou pela DGERT. E depois disso, acrescenta, caso tivessem reparado em alguma irregularidade, “o procedimento normal seria notificar o sindicato para sanar essa irregularidade, e não foi isso que aconteceu”.

O anterior porta-voz do SNMMP entende que este é “um ataque claro a quem se insurge contra a corrupção, a fraude fiscal e os baixos salários”, garantindo que "não existe memória de um sindicato ter sido tão atacado como este”. “Este sindicato incomoda muita gente”, reforçou.

Depois de duas greves (uma em Abril e outra este mês), os motoristas de matérias perigosas ameaçam voltar a parar entre os dias 7 e 22 de Setembro, mas desta vez só aos fins-de-semana e trabalho extraordinário.

O caso do Sindicato dos Vigilantes

No início do mês, a comissão instaladora do Sindicato dos Vigilantes e Seguranças de Portugal queixou-se que a DGERT e o Ministério do Trabalho estavam “a bloquear o arranque do sindicato” e exigiram justificação pela escolha de Pedro Pardal Henriques para a mesa da assembleia constituinte.

Em resposta a questões colocadas pela Lusa, a DGERT explicou, na altura, que “analisada a documentação junta ao requerimento que solicita o registo da constituição e a publicação dos estatutos do ‘Sindicato SVP’, aprovados na respectiva assembleia constituinte, concluiu-se que na assembleia constituinte tinha tomado parte uma pessoa que aparentemente parecia não deter relação jurídica de trabalho subordinada no âmbito profissional indicado nos estatutos – segurança e vigilância”. Essa pessoa, confirmou a DGERT, é Pedro Pardal Henriques.

Perante tal circunstância, a DGERT afirma que “solicitou aos representantes do SVP que juntassem ao processo documentação comprovativa de que Pedro Pardal Henriques detinha a qualidade de trabalhador por conta de outrem, para a categoria profissional prevista nos estatutos, bem como das demais pessoas que participaram nas assembleias constituintes em causa, condição exigida na lei para a constituição de associações sindicais”.

Na sequência deste pedido, a DGERT afirma que “o SVP apresentou nova documentação relativa à sua constituição, da qual o doutor Pedro Miguel Braz Pardal Henriques já não consta do elenco das pessoas singulares que participaram na constituição do SVP, nem figura como presidente da mesa da assembleia”.

Em entrevista ao PÚBLICO, publicada a 8 de Agosto, Pedro Pardal Henriques disse que já foi convidado por 15 sindicatos para prestar assessoria jurídica.

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