Farmacêutica Purdue prepara acordo multimilionário para fintar acusações sobre crise dos opióides

O acordo irá oferecer até 12 mil milhões de dólares para resolver as acções judiciais movidas contra a empresa. Para além disso, a empresa deverá declarar falência e transformar-se num “fundo de beneficio público”, cujos lucros reverterão a favor dos queixosos.

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O medicamento fabricado pela Purdue REUTERS/George Frey

A farmacêutica norte-americana Purdue, que produz o analgésico oxicodona, e os membros da família multimilionária que a detém, os Sackler, ofereceram-se para chegar a um acordo que ponha termo às mais de 2000 acções judiciais movidas contra si. A empresa estará disposta a pagar até 12 mil milhões de dólares (10,8 mil milhões de euros) para resolver os processos relativos à crise dos opióides nos Estados Unidos, escreve a imprensa norte-americana nesta quarta-feira.

A empresa com sede no Connecticut está acusada de alimentar a crise dos opióides desde que, em 1996, introduziu no mercado a oxicodona, sob a promessa de um opióide mais potente do que a morfina e cujos efeitos, alegadamente, duravam mais do que 12 horas. Até que, quase 20 anos depois, uma reportagem do LA Times tornou público que a farmacêutica sabia que o seu medicamento não tinha um efeito de 12 horas, mas continuou a vendê-lo com essa informação e a incitar os médicos a receitá-lo.

A crise dos opióides terá provocado mais de 400 mil mortes, maioritariamente por sobredose, um pouco por todo o território norte-americano, entre 1999 e 2017, de acordo com os números do Centro de Controlo e Prevenção de Doenças

O acordo agora apresentado pela farmacêutica foi negociado pelos advogados da Purdue numa reunião confidencial que teve lugar em Cleveland, na semana passada, e contou com a presença de cerca de dez procuradores-gerais e várias pessoas de centenas de cidades norte-americanas que processaram a Purdue, escreveu a NBC News que cita duas fontes próximas da mediação.

O New York Times acrescenta ainda que, nos termos do acordo, a família Sackler deverá abandonar a empresa e pagar cerca de três mil milhões de dólares (dois mil milhões de euros) do seu próprio bolso.

O acordo irá incluir ainda uma declaração de falência que transformará a farmacêutica num “fundo de beneficio público”, activo pelos próximos dez anos – o que fará com que os lucros da venda do stock da empresa sejam doados aos queixosos, escreve o mesmo jornal. A empresa também se comprometeu a oferecer tratamentos contra a dependência, como a buprenorfina ou naxolona, no valor de quatro mil milhões de dólares (três mil milhões de euros).

Contactada pelo The Guardian, a porta-voz da Purdue Pharma disse que a empresa se preparava “para se defender vigorosamente no litigio sobre opióides”, mas que via “pouco benefício” em perder anos em recursos. “As pessoas e as comunidades afectadas pela crise dos opióides precisam de ajuda agora”, acrescenta. A empresa está “a trabalhar activamente” com a justiça e com os queixosos para “chegar a este fim”.

A confirmar-se o entendimento, a Purdue Pharma será a primeira de uma série de empresas farmacêuticas norte-americanas em litígio por causa da epidemia dos opióides a fechar um acordo a nível federal (já este ano, a mesma Purdue aceitou pagar 270 milhões de dólares e a Teva pagou 85 milhões de dólares para não irem a tribunal num processo que diz respeito apenas ao estado do Oklahoma).

Esta notícia surge um dia depois de um tribunal do Oklahoma ter condenado a rival Johnson & Johnson a pagar 572 milhões de dólares (516 milhões de euros) pelo seu papel na epidemia de opióides naquele estado, que matou seis mil pessoas nos últimos 20 anos.

Esta condenação foi entendida como um aviso sério para toda a indústria farmacêutica norte-americana, uma vez que foi a primeira condenação em tribunal de uma empresa da área relacionada com a epidemia de opióides​​ nos EUA. A gigante norte-americana foi acusada de ser uma das responsáveis pela crise e pelas mortes resultantes, no estado do Oklahoma, pela toma excessiva de opióides analgésicos como a oxicodona ou a hidrocodona, e a posterior dependência de heroína. O tribunal deu como provada a acusação de que a Johnson & Johnson desvalorizou de forma intencional os riscos dos analgésicos e exagerou as vantagens do seu uso prolongado.

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