ACP lança campanha para o uso de capacete em trotinetes e bicicletas eléctricas

Activista do uso dos modos suaves, Ana Pereira, Bicycle Mayor de Lisboa, diz que a acção é “um desviar de atenções”, porque o capacete não é solução para os sinistros realmente graves como os que envolvem automóveis.

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Pedro Fazeres

O exercício é o seguinte: tentar rachar duas melancias — uma sem nada, outra protegida com um capacete — com um martelo. “É isto que acontece a um crânio sem capacete”, diz o presidente do Automóvel Club de Portugal (ACP), Carlos Barbosa, enquanto desfaz a melancia desprotegida com uma só martelada. O ACP montou uma tenda, em plena praça do Saldanha, em Lisboa, para lançar uma campanha nacional em que alerta para a necessidade de os utilizadores de trotinetes e bicicletas eléctricas usarem capacete como medida primária para a sua segurança.

No entanto, há quem considere que o capacete “não é nenhuma carapaça mágica” que protege de todos os sinistros. É, pelo menos, esta a opinião de Ana Pereira, co-fundadora da Mubi (Associação para a Mobilidade Urbana em Bicicleta) e da Casa da cooperativa Bicicultura e que foi designada Bicycle Mayor de Lisboa. “O ACP sempre a bater nesta tecla do capacete para as trotinetes e bicicletas é, no fundo, um desviar de atenções, principalmente porque o capacete não faz nada contra os sinistros realmente graves”, como os que podem envolver automóveis, nota a ciclista. 

O ACP chamou à campanha “Não sejas Alberto, usa capacete!” e serve-se de dados da Organização Mundial de Saúde que apontam que o uso de capacete pode reduzir até 42% o risco de lesões fatais e baixar até 69% as hipóteses de lesões na cabeça. “As trotinetes continuam a ser utilizadas como um brinquedo e não como meio de transporte. Esta iniciativa é para consciencializar as pessoas de que, usando o capacete, estão a proteger-se”, disse ao PÚBLICO Carlos Barbosa, no lançamento da campanha. 

Carlos Barbosa lança ainda a crítica ao facto de a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR) ter emitido uma instrução técnica, no final do ano passado, em que esclarece que não é obrigatório o uso de capacete em bicicletas e trotinetes eléctricas. Uma instrução que contraria a obrigatoriedade prevista no Código da Estrada (artigo 112), que equipara a velocípede com motor todos os veículos equipados com motores cuja potência contínua seja de 0,25 kW e que tenham como limite de velocidade 25 km/h, como é o caso das bicicletas e trotinetes eléctricas que andam a circular pela capital.

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Pedro Fazeres

Enquanto não é obrigatório, referiu Carlos Barbosa, o ACP — que está a agir judicialmente contra a decisão da ANSR — quer que os utilizadores destes veículos andem de capacete. “Custa 20 euros em qualquer loja, e sobretudo os operadores de trotinetes deveriam ter um armário com capacetes ao lado”, sugeriu o presidente do ACP. 

Para Ana Pereira, este tipo de campanhas é “particularmente lamentável”, porque se focam no “comportamento das vítimas, em vez de abordarem o comportamento dos perpetradores” — que, neste caso, podem ser os automobilistas. “Se queremos reduzir a sinistralidade rodoviária não nos podemos focar exclusivamente nas vítimas, mas em quem causa essa sinistralidade. Se não soubermos qual o perfil de quem causa estes sinistros, nunca seremos capazes de efectivamente reduzir o problema porque não estamos a atacar as causas”, sublinhou a utilizadora de bicicleta nomeada pela associação holandesa como Bicycle Mayor de Lisboa pelos seus esforços em favor dos modos activos.​

Aumento da sinistralidade

Na terça-feira foram divulgadas as estatísticas finais da sinistralidade rodoviária em 2018, e soube-se que, no ano passado, tinham morrido mais 73 pessoas nas estradas do que em 2017 – chegando assim às 675 vítimas mortais, o valor mais alto desde 2012. Os dados confirmaram ainda um retrato negro dos acidentes dentro das localidades. Carlos Barbosa diz que os números pioraram porque o Estado não investe em prevenção rodoviária. “No seu seguro automóvel, 4% do seu prémio vai para o Fundo de Garantia Automóvel e esse dinheiro dá para pagar os acidentes das pessoas que não têm seguro, e o resto é para campanhas de segurança rodoviária. E o Estado em vez de fazer campanhas, usa esse dinheiro para comprar radares, para comprar uma série de coisas que não têm nada a ver com segurança rodoviária”, criticou. 

Questionado sobre se os automóveis, assim como as trotinetes e as bicicletas eléctricas (que têm uma velocidade limitada a 30km/h), deveriam igualmente ter uma velocidade limitada consoante os limites de velocidade previstos no Código da Estrada, Carlos Barbosa notou que os “estes veículos, chamados de mobilidade suave, não têm protecção absolutamente nenhuma”. “Os carros têm uma protecção completamente diferente e têm meios de segurança, como o airbag e os cintos de segurança. Não podemos comparar os dois meios porque um é muito mais seguro que o outro”, disse. 

Em contraponto a esta visão, Ana Pereira critica as campanhas “que fazem com que pareça que quem não usa capacete é que está a ser negligente, quando a negligência está em quem opera um veículo que é potencialmente perigoso, se for usado de forma negligente”.

Sobre se esta campanha não deveria ser também dirigida aos automobilistas para que tenham atenção ao crescente número de outros veículos com quem partilham as estradas, Carlos Barbosa afirmou que a prioridade é “pôr os capacetes”. “Depois vamos fazer outras [campanhas]”, disse o líder do ACP. 

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