La Bestia levou-lhes as pernas, mas eles aprendem a andar outra vez

Todos os anos quase 500 mil migrantes da América Central arriscam a vida para tentar atravessar o México numa longa e perigosa viagem. A bordo do “comboio da morte”, alguns dos que tentam a sua sorte acabam por perder as pernas, os braços, ou a vida.

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Mario, de 34 anos, perdeu a sua perna durante uma viagem no comboio da morte Reuters/Edgard Garrido
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Roni Osorio, de 22 anos, perdeu a perna no mesmo comboio Reuters/EDGARD GARRIDO
,El tren de la muerte
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Doze horas depois de subir ao topo de uma das carruagens de carga de um comboio que atravessaria o México em direcção à fronteira dos Estados Unidos da América, Roni Osorio não aguentou mais e deixou-se levar pelo sono. O comboio oscilou e, sem nada a que se segurar, o jovem escorregou e caiu para debaixo de uma das rodas da máquina de ferro.

O comboio em que Roni Osorio arriscou a vida é conhecido como La Bestia ("A Besta") e estima-se que todos os anos quase 500 mil migrantes da América Central arrisquem a vida para tentar atravessar o México numa longa e perigosa viagem com partida em países como a Guatemala, El Salvador, Honduras e Nicarágua.

Embarcar no La Bestia não é uma opção fácil, já que é grande o risco de cair das carruagens deste que também é conhecido como o “comboio da morte” – o que pode levar a ferimentos graves como amputações ou até mesmo à morte, para além da fome e do cansaço provocado pelo constante estado de alerta.

O comboio que transporta açúcar e matéria-prima para cimento já ajudou legiões de cidadãos da América Central a fugir de ladrões, sequestradores e, mais recentemente, de agentes de migração e polícias que inundam as estradas e entram nos autocarros. Mas muitos deles, em busca de uma vida mais segura, acabaram por cair directamente para a sua morte ou sofreram ferimentos graves quando o comboio passava em túneis ou numa curva mais estreita. Dezenas de pessoas seguem empoleiradas nos telhados escorregadios ou viajavam pendurados entre as carruagens.

Luis Estuardo, 21 anos REUTERS
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Quase um ano depois, Osorio, de 22 anos, um migrante que já cultivou feijão e café nas Honduras, aprendeu a andar de novo, com um novo membro protético no lugar da sua perna esquerda que ficou presa no La Bestia.

Desde 2011 que um programa especial da Cruz Vermelha, que em Junho se mudou propositadamente para um ponto estratégico próximo da linha de comboio, já atendeu 411 migrantes mutilados, a maioria dos quais perdeu membros inferiores ou superiores.

Agora, no meio de uma operação mexicana que fiscaliza os caminhos pedestres e as rotas de autocarro e com mais centro-americanos a arriscar a vida neste tipo de viagens, o programa da Cruz Vermelha está mais ocupado do que nunca — os médicos chegam a tratar cinco a oito novos pacientes por mês.

“Este aumento nos acidentes deve-se à militarização da política de imigração”, disse Ignacio Ramirez, director do abrigo migrante Abba em Celaya, localidade mexicana, referindo-se ao reforço das patrulhas de migração que aumentaram debaixo da pressão do governo Trump. O presidente dos EUA ameaçou impor taxas alfandegárias sobre os produtos mexicanos se o país não se comprometesse a fazer mais para reduzir o surto de migrantes.

A Ferromex, empresa responsável pelo comboio de carga, afirma que colabora com o Instituto Nacional de Migração, uma agência do governo, para proteger “os migrantes que usam o comboio de carga como meio de transporte, que não é o seu intuito”.

Um torniquete improvisado

Luis Estuardo, de 21 anos, subiu ao comboio depois de fugir dos agentes do controlo de migração que o retiraram, a ele e ao irmão, de um autocarro que atravessava dois Estados do Sul do México.

“Foi a minha primeira vez”, disse Estuardo sobre a sua viagem no La Bestia. Várias pessoas tentaram puxá-lo para o topo da carruagem, mas o jovem acabou por cair e a sua perna esquerda ficou desfeita. Deitado à espera ao lado da linha, fez um torniquete improvisado para conter a perda de sangue e depois desmaiou. Só cinco horas mais tarde é que foi encontrado pelas autoridades locais.

“Eu sinto-me uma escultura”, referiu enquanto segurava uma muleta e esperava que Gibran Guzman, um técnico de próteses do programa da Cruz Vermelha formatado em Munique, na Alemanha, lhe faz um curativo em torno da sua perna amputada. A prótese de cada indivíduo é única, disse Guzman, enquanto segura o molde com o qual projectou a nova perna de Estuardo e um joelho com um dispositivo de suspensão.

Os migrantes da América Central estão a fugir da pobreza extrema e dos graves perigos que têm que enfrentar nas suas terras, mas são os mais pobres dos pobres que são obrigados a a viajar no “comboio da morte”.

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Alan Abarca, de 49 anos, ex-soldado das Honduras REUTERS

Foi a falta de dinheiro que levou o ex-soldado hondurenho Alan Abarca, de 49 anos, a escolher aquele comboio para chegar aos Estados Unidos, meses depois de ser deportado. Abarca acabou por perder a perna em troca da viagem. Agora, salta entre arcos apenas com a perna direita para recuperar o equilíbrio e a força no membro inferior que lhe resta. Ao retirar o curativo, é possível ver uma parte da sua pele que está rosa e branca, uma feriada demasiado fresca e que ainda não está pronta para a prótese.

Abarca ainda tentou sustentar a sua família na empobrecida cidade de Choloma, nas Honduras, mas falhou. Durante uma vida inteira de biscates, o seu favorito foi ser um carpinteiro especializado na construção de telhados, e sempre teve facilidade em escalar vários andares de seguida. Agora só pergunta: “o que posso eu fazer?”

Além da sua esposa e filha, ainda não contou aos parentes mais próximos sobre o acidente, receando que quando a notícia chegar à sua mãe o seu coração fraco poderá falhar. “Só quando puder andar de novo” é que vai contar a todos, disse com um brilho nos olhos.

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