“Eu não quero morrer!” A morte violenta de Emine está a abalar a Turquia machista

Personalidades, Governo e clubes de futebol condenam a violência doméstica na Turquia, onde pelo menos 245 mulheres morreram às mãos de antigos ou actuais companheiros desde o início do ano.

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Marcha no Dia Internacional da Mulher em Istambul, Turquia REUTERS

Emine Bulut tinha 38 anos e uma filha de dez. No último domingo, levou a menina a um café em Kirikkale, no centro da Turquia, para o pai da criança, seu ex-marido, a poder ver. O encontro correu mal. Uma discussão sobre a tutela da menina terminou com Fedai Veran, o antigo companheiro, a esfaquear Emine no pescoço.

Fedai abandonou calmamente o café após o ataque e apanhou um táxi. Emine ficou agarrada ao pescoço, a tentar estancar uma hemorragia incontrolável. Um vídeo, que depois foi amplamente difundido através das redes sociais, mostra os últimos momentos de vida da mulher. Ao lado, a filha chora e implora que não morra. “Eu não quero morrer”, grita a mãe. Mas Emine acabaria por não resistir aos ferimentos.

Estas últimas palavras de Bulut, bem como o seu nome, tornaram-se nos últimos dias símbolos de um debate nacional sobre a violência de género e os direitos das mulheres, como relata a BBC. Inúmeras figuras públicas, instituições e altos responsáveis políticos turcos têm partilhado a história de Emine e declarações a condenar a violência contras mulheres.

“Perdemos Emine Bulut por causa da violência masculina”, lamentou o recém-eleito presidente da câmara de Istambul, Ekrem İmamoğlu. “Não vamos ficar em silêncio perante este selvagem”, publicou o clube de futebol Besiktas na sua página oficial. "Queremos que os assassínios de mulheres acabem e que os seus perpetradores sejam julgados com as penas mais severas que existem. Não podemos tolerar isto, e não nos vamos calar”, acrescentava a nota. Estão previstas homenagens por parte das restantes equipas da primeira liga turca ao longo do fim-de-semana.

Esta sexta-feira, o Governo reagiu à onda de revolta. O ministro turco da Justiça, Abdulhamit Gul, declarou-se “confiante” de que o assassino de Emine irá “receber a punição que merece”, enquanto o Ministério da Família, Trabalho e Assuntos Sociais disse em comunicado que a filha da vítima está a receber todo o apoio médico e psicológico.

A morte de Emine foi apenas a mais mediatizada entre os 245 homicídios de mulheres registados nos primeiros sete meses do ano pela plataforma We Will Stop Femicide, organização turca de defesa dos direitos das mulheres. Em 2018 foram 440 as vítimas que sucubiram às mãos de maridos, namorados ou ex-parceiros. Segundo a BBC, que cita um relatório da Universidade Hecettepe, em Ancara, pelo menos 36% das mulheres turcas casadas ou divorciadas já foram vítimas de violência física às mãos de um companheiro pelo menos uma vez na vida. E os dados oficiais apontam para um aumento da violência contra as mulheres na última década coincidente com a governação conservadora do Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP) de Recep Tayyip Erdogan.

Gulsum Kav, porta-voz da We Will Stop Femicide, disse à BBC que os turcos começam a ganhar consciência de que “há um problema de feminicídio” no país, quatro anos depois de a organização ter sido lançada após a morte de Ozgecan Aslan, uma mulher de 20 anos que foi morta por um motorista de autocarro que a tentou violar.

“O facto de as últimas palavras de Emine Bulut terem servido para pedir para não ser morta simboliza o quão básico é o que nós mulheres exigimos. Na Turquia, a nossa exigência enquanto mulheres é não sermos mortas”, disse Kav à estação britânica.

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