No G7, o “G” passou a ser de Guerra — Guerra comercial

Tusk alertou Trump que se impuser taxas aos vinhos franceses sofrerá retaliações comerciais da União Europeia. A cimeira que caminha para a irrelevância procura “salvar” a “comunidade política” internacional.

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Os casais presidenciais francês e norte-americano em Biarritz Reuters

Tudo vale no amor e na guerra. E na guerra comercial entre os Estados Unidos, a China e a Europa, nem o vinho francês é sagrado. Donald Tusk, que começou por afirmar que esta cimeira das sete maiores economias do mundo e a União Europeia (G7), na cidade francesa de Biarritz, será “um teste difícil de unidade e solidariedade do mundo livre e dos seus líderes”, não tardou a ameaçar Donald Trump de que a UE retaliará se os EUA aumentarem as taxas alfandegárias dos vinhos franceses.

“Se os EUA impuserem tarifas à França, a UE responderá na mesma moeda, a França poderá contar com a solidariedade da UE”, avisou o presidente do Conselho Europeu, uma ameaça pouco consentânea com o que afirmara momentos antes: “Guerras comerciais levam à recessão enquanto os acordos comerciais impulsionam a economia”.

“Tensões comerciais são más para toda a gente”, sublinhou Emmanuel Macron, Presidente francês, antes de pedir maior contenção “para estabilizar as coisas e evitar esta guerra comercial que está a acontecer em todo o lado”.

Indiferente à frente europeia aparentemente sólida contra si no G7, o chefe de Estado norte-americano decidiu garantir, antes de partir de Washington, que a guerra comercial com a China é para manter e até intensificar e que não se importa nada de a estender à Europa.

Trump anunciou novas taxas alfandegárias a todas as importações de produtos chineses (no valor de 75 mil milhões de dólares) para os Estados Unidos, apelando às empresas norte-americanas que deixem de investir na China, antes de se virar para a França e exigir que esta acabe com a sua taxa digital “injusta” ou os EUA começarão “a tributar o seu vinho como nunca”.

Prelúdio de uma cimeira que já se esperava difícil (Angela Merkel referiu que “o tempo vai ser escasso porque há tantos problemas”), mas ameaça tornar-se ainda pior. A acreditarmos em Tusk, de que este G7 em Biarritz é o “último momento para restaurar a nossa comunidade política”, as notas de abertura parecem mais próximas de um requiem que do Hino da Alegria.

“Espero que sejamos mais sábios no nosso encontro aqui”, afirmou o presidente do Conselho Europeu procurando tocar uma nota menos fúnebre.

Cidade sitiada

Lá fora, na cidade sitiada por 13 mil polícias, mal chegaram os ecos dos protestos e confrontos entre manifestantes e as forças de segurança, habituais em todas as cimeiras do G7 dos últimos anos. Detenções, feridos e muitas palavras de ordem marcaram o dia, embora bem longe de onde os líderes das maiores potências do mundo ocidental se iam juntando para conversar – a agenda oficial abre com o jantar deste sábado, mas as discussões políticas estão marcadas para este domingo de manhã.

As autoridades francesas até instalaram um tribunal especial para julgar todos aqueles que cometerem delitos durante o tempo da cimeira. Algo que não impediu milhares de manifestantes antiglobalização e de “coletes amarelos” de marcharem da cidade francesa de Hendaia para a espanhola de Irún. E outros milhares de encheram Baiona, outra cidade balnear francesa, a 8,5 km de Biarritz, onde a polícia recorreu a canhões de água e gás lacrimogéneo para dispersar o protesto anticapitalista no centro histórico. Fontes policiais francesas falam em 17 detidos e quatro polícias feridos nos confrontos.

“É mais dinheiro para os ricos e nada para os pobres. Vemos a floresta amazónica a arder e o Árctico a derreter. Os líderes têm de ouvir-nos”, afirmou Alain Missana, electricista e “colete amarelo”, citado pela Reuters.

Macron afirmava, na quarta-feira, que “vivemos uma crise de desigualdades”, resultado “da crise do sistema capitalista contemporâneo”, um discurso que não destoaria do pensamento de muitos dos manifestantes de Hendaia ou Baiona.

Na quinta-feira, a Oxfam publicou um relatório onde afirma que “as desigualdades de rendimento agravaram-se em todos os países do G7 desde os anos 1980. Os 20% mais pobres da população desses países não alcançam, em média, mais que 5% do total das remunerações, enquanto os 20% mais ricos recebem cerca de 45%.”

Sobretudo, o que se alterou nos últimos anos foi a forma como os EUA abordam a sua política externa, principalmente a sua diplomacia económica, onde o relacionamento com as outras potências se tornou mais de confrontação que de cooperação.

“No cenário internacional, há hoje a percepção que os EUA deixaram de interpretar o seu papel tradicional e se calhar nunca mais terão esse papel que desempenharam durante 75 anos”, explicava ao Washington Post, Jon B. Alterman, vice-presidente do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais. “Mas é ainda pouco claro que papel desempenharão os EUA e que consequências daí advirão”, acrescentou.

Dessa imprevisibilidade do chefe de Estado norte-americano também se reveste esta cimeira do G7, a 45.ª da história, “ameaçada com a irrelevância e fracturada como raramente esteve”, como referiu Marc Bassets no El País.

Macron procurou no almoço com Trump – na esplanada de uma praia deserta de toda a gente que não fosse serviços secretos, polícias e assessores – acalmar as hostilidades. A julgar pelo tom do tweet de Trump (“Muitas coisas boas estão a acontecer nos nossos dois países. Grande fim-de-semana com outros líderes mundiais!”), o repasto e a conversa correram bem.

No entanto, um membro da Administração norte-americana afirmou ao Politico que a França já decidiu há meses que não iria trabalhar diplomaticamente para conseguir uma declaração final consensualizada da cimeira, optando antes por agir em função da sua agenda interna e daquilo que lhe poderá trazer ganhos em termos domésticos. Como dizem os franceses, on verra.

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