A guardadora de rebanhos: uma mensagem ao António, ao Costa, ao André e ao Silva

Um dia, senhor primeiro-ministro, que tal ir experimentar guardar rebanhos com a minha guardadora e ouvir dela, o que ganha e como sobrevive e formou a sua filha, sem a ajuda do seu Estado?

Nunca guardei rebanhos até ter conhecido a Alzira. E isso porque andei num recanto de Portugal, como se de amor perdido se tratasse, e pela especial gente manifestei esse desejo — quase poeticamente — à Julinha, que tem uma “taberna” com o mesmo nome. A Julinha levou-me à minha guardadora. Fui saber onde mora, do seu marido, pastor e cuidador do estado de saúde das suas ovelhas (e cabras). Fui saber quem é a mãe-filósofa, cuja filha filósofa trabalha no Porto, com um mestrado e preparação para ateliers a pessoas com necessidades especiais.

A minha guardadora nasceu em 1971. O melhor ano que há para se nascer. Casou em Sequeiros em 11 de agosto de 1990. É a filha número três. O seu irmão número quatro nasceu, e ela parou os estudos para o guardar. E veio a ser engenheiro, o José de Lino, para os pais continuarem a tomar conta dos seus rebanhos. É uma mulher grande. Uma mãe ainda melhor, daquelas que sofre as suas dores em silêncio. 

Lê os livros da sua filha durante o pastoreio. Não conseguiu ainda um trabalho ao nível da formação a sua amada e filha, que a ajuda na guarda ao rebanho, sempre que volta a casa. Mas não é da família de nenhum político do atual Governo, nem do Costa e nem do César — a César o que é de César e a Deus o que é de Deus  — e Alzira é de Deus. Uma mulher de fibra. A minha guardadora de rebanhos ensinou-me como se guardam as 103 ovelhas que contei — prenhes e mais tenras. Aprendi que, lição para o André, quando estão prenhes pastam com o resto do rebanho e, durante esse pastoreio podem parir e a minha guardadora carrega-as, debaixo dos seus braços, pelas montanhas que sobe na madrugada e nos planaltos e olivais junto ao Douro, nos caminhos de regresso que duram uma hora. Intercala os seus relatos sobre o seu rebanho — entre lágrimas e sorrisos — a falar da sua filósofa que a vem muitas vezes ajudar a guardar o rebanho.

Tem um sonho, e é simples: visitar a Madeira. Mas tem medo de andar de avião. Eu gosto de guardar rebanhos, sempre me diz, com um sorriso. Mas estou cansada. O seu Júlio cuida da outra metade do rebanho e da saúde dos animais. A Alzira, filósofa e guardadora ensinou-me com mestria esta profissão de elevada nobreza e explicou que apenas pode guardar o rebanho uma simples pessoa. E simplicidade é essência de qualquer filósofo. E os animais, reforça, fogem de pessoas más.

Descargas no Douro
E que tem sido tema da imprensa — Deus proteja Portugal, já que não confio nos meios existentes e sempre insuficientes — os fogos florestais, agora em tréguas e de férias ao (ainda) primeiro-ministro. Já o Douro e o Pocinho — sem qualquer vigilância efetiva das Autoridades do Porto de Leixões (APDL) — vê as descargas de fezes humanas, largadas pelas empresas como a Azure, noticiada pelo PÚBLICO, ou mesmo a Douro Azul, que de azul tem pouco ou quase nada, que navega a altíssima velocidade, colocando pequenas embarcações em risco, naquilo que deveria ser Património da UNESCO. Um problema para o turismo, ambiente e Direção-Geral de Saúde: indecente e a colocar em risco a saúde humana: é do melhor, comer peixinho do rio que se alimentam de tal petisco: as descargas de dejetos dos barcos hotéis.

Um dia, senhor primeiro-ministro, que tal ir experimentar guardar rebanhos com a minha guardadora e ouvir dela, o que ganha e como sobrevive e formou a sua filha, sem a ajuda do seu Estado? E já agora, porque não teve esta mãe — pagadora dos seus impostos — direito a escolher a escola da sua filha ou bolsa? Ou porque não teve direito a empregar a sua filha — estudante de mérito — num desses cargos atribuídos aos amigos e familiares do Governo e aos familiares de César?

E o senhor deputado André Silva? Já guardou rebanhos? Porque razão não defende — com unhas e dentes — estas pessoas que, além de filósofas, nos ensinam as coisas simples, não apenas de beatas, como o preço destes animais — nas vossas mesas das Páscoas e de Natais — ou o preço do leite que deixa de ser vendido porque as fábricas fecham em Agosto? E ela fica sem o pão-nosso-de-cada-dia? E, por isso, as cabras e, neste caso, também as ovelhas deixam de ser ordenhadas à mão? Vale a pena pensar nisso. Tudo se resume a números, certo? A Alzira é o espelho de um conjunto de seres humanos, portugueses, pagadores de impostos. E esquecidos pelo seu Estado.

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