O que nos dizem três crânios do tempo das invasões bárbaras na Croácia

Ossadas revelam deformações cranianas artificiais, uma prática que tinha como objectivo distinguir membros de grupos sociais diferentes em várias culturas antigas.

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Deformações nos crânios encontrados na Croácia M. Kavka

Uma equipa, da qual faz parte o investigador português Daniel Fernandes, descobriu três esqueletos de adolescentes do período das migrações bárbaras numa vala em Osijek, na Croácia, com indícios de deformações cranianas artificiais, desnutrição severa e patologias associadas a uma experiência prolongada e grave de stress.

As ossadas, datadas daquele que é também conhecido como o período das grandes migrações (século V d.C), correspondem a três adolescentes do sexo masculino, com idades entre os 12 e 16 anos, e estão associadas à presença de vários povos nómadas naquela zona da Europa, como os hunos e tribos germânicas (designadamente gépidas e ostrogodos) — ainda que não seja possível confirmar se os três indivíduos tinham alguma relação a estes povos.

O estudo Deformação craniana e diversidade genética em três indivíduos masculinos adolescentes do período da grande migração, publicado esta quarta-feira na revista científica PLOS One, conta com a participação de Daniel Fernandes, do Centro de Investigação em Antropologia e Saúde da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra e do Departamento de Antropologia Evolutiva da Universidade de Viena (Áustria).

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As ossadas encontradas numa vala em Osijek, na Croácia D Los

A deformação craniana artificial “é um acto intencional realizado em crianças com o objectivo de obter uma forma de crânio desejada”. Há registos desta prática “em várias culturas antigas em todo o mundo para demonstrar uma identidade de grupo ou individual, por exemplo, evidenciar o estatuto, a nobreza ou a afiliação de uma determinada classe ou grupo”, refere o comunicado da Universidade de Coimbra. “Os adolescentes apresentavam desnutrição severa e patologias que indicam uma experiência prolongada e grave de stress”, acrescenta o comunicado.

A investigação identificou “diferentes tipos de deformações cranianas artificiais em dois indivíduos e diferentes afinidades genómicas, embora até tenham semelhanças na idade em que morreram, sexo, saúde e dieta, revelou à Lusa Daniel Fernandes. Porém, a observação “mais surpreendente é que tinham grandes diferenças na sua ancestralidade genética”, referem os coordenadores da investigação, Ron Pinhasi (da Universidade de Viena) e Mario Novak (do Instituto de Investigação Antropológica de Zagreb, na Croácia). “As análises genéticas indicam que um dos indivíduos com deformação craniana artificial tem maioritariamente ancestralidade do Leste asiático e é, até onde sabemos, o primeiro indivíduo do período das migrações bárbaras geneticamente asiático a ser encontrado na Europa”, destacam os autores.

Para analisarem os padrões alimentares, o sexo e as afinidades genéticas dos três indivíduos, cujos esqueletos foram descobertos durante escavações em Osijek, em 2013, os cientistas recorreram a métodos bio-arqueológicos, isotópicos e de ADN.

Daniel Fernandes conclui que os resultados sugerem “a possibilidade de que diferentes grupos interagiam em proximidade uns com os outros nesta região durante o período das grandes migrações”. No entanto, o cientista português acrescenta que a investigação também levanta “algumas questões que só estudos com muitas mais amostras ajudarão a compreender, como perceber se é possível associar um tipo de deformação a um grupo específico”.

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