Cancro: uma viagem aos tratamentos do passado

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O avô de Sophie Gabrielle ainda foi a tempo de lutar, mas não conseguiu vencer o cancro de pulmão que em poucos meses o matou. A doença voltaria mais tarde a ensombrar a família: desta vez, foi o pai da australiana a ser diagnosticado com cancro da próstata. Profundamente chocada, a fotógrafa mergulhou no tema. O que é o cancro? Quando é que a medicina o descobriu e de que forma foi sendo combatido ao longo dos tempos? "A investigação faz parte do meu trabalho", explica a fotógrafa ao P3, em entrevista por Skype. "Interesso-me por um tema e tento saber tudo sobre ele." Vasculha, investiga, colecciona. Desta vez, porém, Sophie não escolheu o tópico sobre o qual viria a trabalhar. "Ele escolheu-me a mim." E a série Worry For the Fruit the Birds Won't Eat resulta do difícil convite que a vida lhe fez.

Durante a pesquisa, Sophie foi-se apercebendo dos enormes avanços científicos que foram feitos, sobretudo, ao longo do último século. "O que fui vendo deu-me algum conforto", suspira. "As terapias nem sempre tinham grande base científica, tratava-se apenas de experimentação." Saber que os seus familiares não passaram por esse tipo de ensaios clínicos foi reconfortante. "Porque apesar de haver ainda uma taxa de mortalidade significativa associada à doença, as formas de tratamento já são muito mais sofisticadas do que eram antigamente. E menos invasivas."

Ao longo do tempo, Sophie foi coleccionando imagens de arquivo relativas à doença e ao seu tratamento. Encontrou-as online, em sites que são visitados quase exclusivamente por estudantes de medicina. Imprimiu as que considerou mais impressionantes e submeteu-as a um processo muito particular — e quase ritualístico. "Nas paredes do quarto do meu avô, no lar onde vivia, havia um conjunto de fotografias afixadas. Notei que estavam cheias de pó. Nesse pó, pensei, estava contido todo o tempo e vivência do meu avô naquele quarto: desde as partículas que tossiu às células de pele que foi largando com a passagem do tempo. As imagens assistiram a tudo, acompanharam-no durante todo o processo da doença. Estiveram presentes em momentos em que eu não pude estar." E foi nesse momento que se fez clique.

As imagens que Sophie seleccionou dos arquivos médicos e que imprimiu foram deixadas no quarto do avô e do pai, para que pudessem testemunhar todo o processo e absorver todos os "resíduos" do ambiente que as rodeia. "Eu vivo longe da minha família, a nove horas de distância de carro", refere. "Colocar as imagens no quarto do meu avô e na casa do meu pai, debaixo das suas camas, nas paredes, debaixo das mesas, deu-me uma sensação de presença que foi, para mim, quase terapêutica", justifica. As imagens que compõem o projecto incluem todos esses vestígios de vida e de morte, o que as torna únicas e irrepetíveis. Como negativos fotográficos.

"Fotografar o cancro é, em larga medida, tentar tornar visível algo que é invisível", explica a australiana. "Durante muito tempo, quem sofre de cancro mantém um aspecto saudável." O título do projecto, Preocupa-te com a Fruta que os Pássaros Não Comem (tradução livre) faz referência a essa invisibilidade. "Um dia, no quintal da casa da minha família, notei que os pássaros comiam frutos de todas as árvores, excepto de uma. Aproximei-me dela. Colhi um fruto e, por fora, parecia apetitoso. Abri-o e de dentro saiu um líquido de aspecto venenoso. Havia algo de errado com ele e, sem saberem bem como, os pássaros também o sabiam." 

©Sophie Gabrielle
©Sophie Gabrielle
©Sophie Gabrielle
©Sophie Gabrielle
©Sophie Gabrielle
©Sophie Gabrielle
©Sophie Gabrielle
©Sophie Gabrielle
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