Movimento de protesto em Hong Kong enfrenta o desafio da violência

Manifestantes pedem demissão da chefe do executivo, escolhida pela China, numa grande manifestação. A noite está a cair e há grupos de manifestantes que permanecem nas ruas em desafio ao Governo e Pequim.

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Manifestantes em marcha,Manifestantes em marcha JEROME FAVRE/EPA,JEROME FAVRE/EPA
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As ruas encheram-se de manifestantes este domingo,As ruas encheram-se de manifestantes este domingo JEROME FAVRE/EPA,JEROME FAVRE/EPA
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Manifestantes usam lasers para encandear a polícia,Manifestantes usam lasers para encandear a polícia Kim Hong-Ji/REUTERS,Kim Hong-Ji/REUTERS
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O Parque Victoria não chega para tão grande número de manifestantes JEROME FAVRE/EPA
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Exercícios militares num estádio em Schenzen, na fronteira de Hong Kong com a China continental Alex Plavevski/EPA

Centenas de milhares de pessoas juntaram-se no parque Vitória, no centro de Hong Kong, na 11ª semana de protestos, sob chuvadas intensas. Terminado o protesto pacífico, muitos manifestantes foram para casa, mas, outros, em grupos mais pequenos, permanecem nas ruas. Ainda não se registaram confrontos com a polícia.

“Está um calor infernal e está a chover. É uma tortura vir para aqui, para ser honesto. Mas temos de vir, não temos escolha”, disse à Reuters um estudante de 24 anos chamado Jonathan. “Temos de continuar até que o Governo nos respeite como merecemos.”

É com este espírito que as pessoas continuam a vir para a rua, apesar de haver tropas chinesas concentradas no outro lado da fronteira, na China continental, em manobras que Pequim diz terem a ver com o 70.º aniversário da criação da China comunista. Teme-se mais que nunca uma intervenção chinesa na antiga colónia britânica.

O protesto deste domingo teve uma grande afluência e foi verdadeiramente pacífico, desarmando um dos argumentos do Governo e de Pequim: a da violência ser parte integrante dos protestos. Mas a noite está a cair e a violência pode regressar mais uma vez.

A concentração foi convocada pela Frente Cívica de Direitos Humanos (FCDH), que em Junho conseguiu juntar milhões nas ruas. A porta-voz e vice-coordenadora da FCDH, Bonnie Leung, disse à Lusa que é necessário voltar a focar a luta nas exigências iniciais e em promover protestos pacíficos maciços como aquele que, em 16 de Junho, juntou cerca de dois milhões de pessoas, um número que representa quase um terço da população da ex-colónia britânica, administrada desde 1997 pela China.

A multidão no Parque Victoria juntou-se de forma pacífica, com cartazes que dizem “libertem Hong Kong” e “Democracia já”, e muitos guarda-chuvas, por causa da chuva, relata a Reuters. Há muitos idosos, jovens e famílias com filhos, alguns bebés. À distância, a polícia, disse o South China Morning Post, tinha veículos com canhões de água preparados para entrar em acção.

Apesar de os organizadores da manifestação não terem recebido autorização para marchar pela cidade, eram tantas as pessoas que não cabiam no parque, e espalharam-se har-se pelas ruas, gritando palavras de ordem que apelam à demissão da chefe do executivo de Hong Kong, Carrie Lam.

Um risco ou “ameaça vazia"?

Rejeitando qualquer recuo e temendo uma intervenção, os manifestantes tentam evitar situações de violência nas ruas, reafirmando o cariz pacífico dos protestos ao mesmo tempo que denunciam a violência policial. Não querem dar razões para uma intervenção militar. Porém, o movimento não tem uma liderança nem uma estratégia coordenada e o risco de confrontos está sempre presente. Há manifestantes que desejam que os protestos sejam pacíficos e outros, mais radicais, não toleram a repressão da polícia e respondem olho por olho.

Foi o que aconteceu no aeroporto de Hong Kong na terça-feira passada, quando manifestantes e a polícia se envolveram em confrontos. No decorrer da violência, os primeiros agrediram dois chineses, com um deles a ser suspeito de pertencer aos serviços de segurança e o outro a ser jornalista de um tablóide do Partido Comunista Chinês. O jornalista, que não se identificou como tal, admitiu o próprio, foi preso e amarrado com braçadeiras de plástico a um carrinho de aeroporto e essa imagem percorreu o mundo, tornando-se num símbolo da má conduta dos manifestantes. E Pequim transformou-o num “verdadeiro herói”, numa arma de propaganda.

Mas há manifestantes que não receiam uma intervenção chinesa e garantem tratar-se de “ameaças vazias”, disse um participante na concentração à CNN. “Não me preocupa por sabermos que se a força militar da China vier para Hong Kong, toda a ordem social será destruída. Não me parece que o governo esteja preparado para o ver acontecer”, disse outra manifestante ao canal norte-americano.

O governo de Hong Kong não gostou de ver a praça apinhada e, em comunicado, “lamentou” que o protesto tenha decorrido por iniciativa de uma organização “que nas palavras de ordem tem como alvo a polícia”. E, reafirmando o seu apoio à polícia, fez contra-acusações: “Infelizmente, depois de várias marchas e reuniões públicas nos últimos dois meses, manifestantes radicais e violentos atacaram repetidamente os cordões da polícia, deliberadamente bloquearam ruas, vandalizaram edifícios públicos, atearam fogos em várias zonas, atacaram agentes da polícia com armas e atiraram tijolos e bombas incendiárias”.

A polícia tem estado sob fogo cerrado ao ser acusada de violência indiscriminada. Uma das exigências dos manifestantes é precisamente a abertura de uma investigação independente às acções da polícia nos últimos dois meses.

Terminada a concentração no parque, os manifestantes começaram a abandoná-la e formaram-se várias marés nas suas proximidades. Muitos foram para casa com as suas famílias, enquanto grupos de manifestantes organizados, sobretudo jovens munidos com máscaras de gás, se dirigiram para pontos estratégicos na contestação ao Governo e a Pequim: quartel-general da polícia e parlamento, por exemplo.

Em frente ao quartel-general, manifestantes apontaram lasers, tanto como protesto como táctica para evitar serem reconhecidos pelas autoridades – uma das tácticas inovadoras que desenvolveram nestes meses. No passado, a polícia respondeu com mão pesada sempre que lasers eram apontados. Não se registaram até ao momento quaisquer confrontos. 

Grupos de jovens

E, na rua do Conselho Legislativo, os manifestantes reúnem-se, no que, diz a CNN, já se parece mais com uma acampada. “A multidão é composta maioritariamente por jovens e muitos estão a usar máscaras, capacetes e outro equipamento”, escreve o canal norte-americano. A polícia mantém-se longe do local, preferindo concentrar-se em frente ao gabinete de ligação de Pequim, cercado no passado por manifestantes. 

Não é raro agentes da autoridade infiltrarem-se em manifestações para identificarem activistas e até semearem desacatos. É esse o medo que os manifestantes têm e sempre que vêem alguém estranho desconfiam de imediato. À semelhança da situação no aeroporto, um homem foi visto a tirar fotos aos rostos dos manifestantes, acabando por ser interpelado e agredido. Aos jornalistas, o homem disse ser um analista financeiro de Xangai que veio sozinho a Hong Kong para “dar uma vista de olhos no que está a acontecer”, segundo o South China Morning Post

É aos fins-de-semana que os protestos ganham renovada força, com as noites a serem momentos de verdadeiras batalhas campais nas ruas de Hong Kong. A polícia tolera os protestos pacíficos durante o dia e quando estes se prolongam pela noite adentro, mantendo o bloqueio de ruas e estradas, avança em força, escreve a CNN. E a noite está a cair sobre Hong Kong. 

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