Francisco quer menos aviões no ar e formas mais “enriquecedoras” de viajar

Tornam todas as estações do ano um pouco mais verdes através das suas escolhas. No Verão, não abandonam a causa: fazer do mundo um lugar mais sustentável. Francisco Pedro está (quase) sempre em viagem, mas (quase) nunca apanha um avião.

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Nelson Garrido

O último mês deixou Francisco Pedro “a voar”. Não lhe passa despercebida a ironia da expressão que escolheu para dizer que se sente feliz, entre tantas outras, no início de uma conversa sobre como evitar contribuir para a expansão do sector da aviação, um dos poluidores em mais rápido crescimento. Mas a verdade é que o activista que interrompeu o discurso do primeiro-ministro António Costa para protestar contra a construção do aeroporto do Montijo já se sentiu muito feliz dentro de um avião. Só não tem, por agora, “qualquer plano de voltar a apanhar um no futuro”.

De resto, houve tantas outras vezes que se sentiu “a voar” viajando a pé, de comboio ou à boleia, num carro ou num barco à vela. “Adoro movimentar-me. Para mim, não é um esforço evitar um avião. É um grande prazer. Só mostra que há muitas possibilidades. Não há nenhuma razão para estarmos todos a fazer a mesma coisa.”

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O momento em que Francisco foi retirado do palco para onde subiu em protesto pela construção do aeroporto do Montijo, em Abril. Mário Cruz/Lusa

Poderá haver uma: a falta de tempo. Francisco, 32 anos, fala pouco de uma das condicionantes que mais pesa na escolha de um meio de transporte. Talvez porque respeita o caminho de toda gente, embora ele goste “tanto de aproveitar o destino como a viagem”. Talvez porque a luta dele não passa por impedir quem precise de se deslocar de forma rápida — e a maior parte das vezes mais barata do que outros meios de transporte colectivos “mais suaves”, como o comboio — de embarcar num avião. Mas passa por convidar a pensar outras formas de viajar, como faz no festival Hitchfest, que junta pessoas que viajam à boleia em Lousada. E passa por alertar para uma “aberração” que permite à aviação isentar-se de pagar impostos sobre a emissão dos bilhetes e sobre o combustível que alimenta os voos (jet fuel).

Caso a União Europeia comece a taxar 33 cêntimos por litro, como exige uma iniciativa de cidadania europeia e a rede internacional Stay Grounded, da qual Francisco faz parte, estima-se que só Portugal reduziria o número de passageiros e a emissão de CO2 em 11% — o equivalente a “retirar mais de 200 mil automóveis das estradas portuguesas”. Haveria ainda uma redução de 6% do número de pessoas afectadas pela poluição sonora. “Não há nenhum problema numa família ir ao outro lado do mundo e viver uma experiência incrível. Mas, ao mesmo tempo, basta atravessar a cidade do Porto, como fiz agora, para perceber que existe um problema grave com o turismo de massas.” A aviação é actualmente responsável por 2% das emissões de dióxido de carbono. Com a queda dos preços dos voos, a expansão dos aeroportos e a criação de novas rotas e o crescimento económico na região da Ásia Pacífico, a IATA prevê que o número de passageiros possa duplicar nos próximos 20 anos, atingindo os 8200 milhões de passageiros em 2037. 

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Francisco Pedro, 32 anos, pouco tempo antes de entrar num comboio na Estação de São Bento. Destino: estação de São Frutuoso, Maia. A partir daí foi de boleia até à Galiza. Nelson Garrido

Francisco quer ficar fora destas previsões, tanto quanto as quer ver erradas. Ao mesmo tempo, acredita que o movimento de pessoas que optam por reduzir ou não andar de avião está a levantar. E alguns activistas acreditam que pode estar prestes a receber tanta atenção como o da dieta planetária ou o da recusa dos plásticos descartáveis. “O que está a acontecer é um exemplo e uma oportunidade enquanto sociedade de redefinirmos prioridades. Dizer não para ganharmos imenso”, defende.

A última vez que Francisco apanhou um avião foi a 25 de Outubro de 2016. “Fui espreitar as minhas notas”, conta-nos o licenciado em Jornalismo que está a preparar-se para se instalar em Montemor-o-Novo. “Depois de dois anos a viajar em barcos à vela no Oceano Índico e a viver entre África do Sul, Ilha da Reunião, Maurícias e Madagáscar”, deslocou-se via aérea até Milão, num assento que a companhia aérea que escolheu disponibiliza a preço especial, caso ainda restem lugares livres na véspera do embarque. “De Milão pus-me à boleia e cheguei em cheio ao jantar de anos da minha mãe a 27 de Outubro. Dias depois, festejei 30 anos no miradouro de Santo Estêvão, em Alfama.”

A 24 de Julho foi superado mais um recorde na aviação: durante 24 horas circularam 225 mil aeronaves. No dia seguinte, a Flightradar24 já registava 230 409 voos. A tendência é que estes recordes continuem a ser superados a cada ano. Em 2018, os aeroportos portugueses receberam 55,3 milhões de passageiros, uma subida de 6,8% face ao ano anterior. Este ano, até ao final de Junho, chegaram e partiram mais dois milhões de passageiros do que os que foram registados nos primeiros seis meses de 2018, ultrapassando os 27,5 milhões. 

“Eu não tinha esta consciência. Tinha só um desejo enorme de ir longe. Mas ao longo da minha vida, vou tomando consciência. Por um lado, de que o meu direito ao movimento é um privilégio e que há muita gente que não o tem. E, por outro, que a forma como grande parte das pessoas escolhe movimentar-se é danosa para nós todos.” Um exemplo: segundo dados da Atmosfair, um voo de ida e volta de Lisboa a Roma gera 284 quilogramas de CO2, mais do que o que um habitante médio em 25 países do mundo, como o Uganda e a Somália, produz num ano inteiro. 

Ele é um “apaixonado pela viagem à boleia”. Talvez não seja nenhuma receita para um futuro mais sustentável, diz-nos, mas defende que “faz sentido propor este convite à partilha no contexto actual, em que existe um grande excesso de carros e uma sociedade com uma tendência para o individualismo”. “Funciona para mim há dez anos, quer seja para ir ter com a minha avó a 50 quilómetros, ou para chegar ao outro lado do mundo.”

Em Dezembro de 2011, Francisco e outros três viajantes apanharam boleia de um veleiro numa regata de barcos clássicos que partiu de Cascais e chegou a Barbados 35 dias depois. Segundo a calculadora de CO2 da Lufthansa — a companhia aérea que, numa pesquisa rápida, oferece o preço mais baixo e o menor tempo de escala —, um voo que partisse do aeroporto de Lisboa emitiria, por um passageiro em classe económica, 0,604 toneladas de dióxido de carbono, o único gás com efeito estufa que o algoritmo calcula. O voo, com escala em Frankfurt, demoraria 15 horas. Assim, Francisco passou o Natal e entrou em 2012 no Oceano Atlântico. Chegaram à ilha do Caribe em último lugar, duas semanas depois de todos os outros participantes.

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