Advogado, sócio em sindicato, cliente?

É ou não legítimo e legal o advogado de um sindicato (que não de advogados) que patrocina ser seu sócio? Eis a questão.

O protagonismo que o SNMMP (Sindicato Nacional de Motoristas de Matérias Perigosas) assumiu nos últimos dias, através do seu advogado e simultaneamente seu vice-presidente (Boletim do Trabalho e Emprego n.º 42, de 15/11/2018), fez estalar uma certa estranheza pela forma do exercício funcional desta dupla figuração – enquanto advogado patrocinando um sindicato e o cargo exercido enquanto membro do órgão social do sindicato-cliente! O insólito desta situação é a de que estaria aberta a porta para daqui em diante os advogados passarem também a ser sócios e dirigentes de sindicatos que patrocinam.

Como é óbvio, não nos cabe avaliar a forma diligente com que o ilustre advogado defende os interesses do sindicato (podendo assumir-se, no entanto, que a mesma diligência seria assegurada sem ser seu vice-presidente) nem a justeza da luta por melhores salários e condições de trabalho dos srs. motoristas em apreço, nem sequer discutir a idoneidade ou não da globalidade de procedimentos que têm vindo a ser adotados nesta contenda.

O que ora se equaciona é no essencial uma problemática de índole teórica, mas que, na prática, envolve o percurso profissional e procedimental de um profissional causídico no contexto legal. 

Estranha-se que nem os serviços competentes do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social (MTSSS) nem a Ordem dos Advogados se tenham pronunciado nesta momentosa questão, os primeiros, por onde correram todo o processo de constituição, de registo, aquisição e de consagração dos corpos sociais do sindicato; a segunda, por lhe caber, enquanto entidade legitimadora da advocacia, pronunciar-se, no presente caso sobre a esfera deontológica do titular de prática forense.

É ou não legítimo e legal o advogado de um sindicato (que não de advogados) que patrocina ser seu sócio? Eis a questão.

Como questão prévia, dir-se-á à partida que nada obsta (como aliás tem sido a prática) a que os estatutos de um sindicato reconheçam a categoria de sócio honorário de modo a distinguir pessoas ou entidades que tenham relevo no âmbito da atividade sindical, desde que seja respeitada e assegurada a individualidade e a integridade do organismo como ente único e genuíno de representação do ativo profissional que representa. Neste aspeto, importa referir que “desenvolver atividades de interesse ou interligadas com os objetivos e fins da associação sindical” (artigo 8.º, al. c), dos Estatutos do SNMMP, preceito ao abrigo do qual se pretende ver legitimada a sua qualidade de sócio e de vice-presidente daquele sindicato) não significa ter esses mesmos objetivos e fins, em pé de igualdade com os efetivos profissionais motoristas. Pelo ridículo ou levado ao extremo este contexto, teríamos então como idóneo um sindicato de taxistas presidido pelo construtor do edifício onde estivesse instalado ou pela empresa de limpeza que cuida da instalação!

Daí que a latitude e a ampla permissividade que este preceito contempla (sem qualquer ressalva da categoria de sócio honorário ou do impedimento deste para o exercício de cargo social) viole a imperatividade não só do artigo 440.º do Código de Trabalho como do próprio artigo 1.º dos Estatutos do sindicato que confinam o exercício efetivo e real do direito de associação e de representação aos trabalhadores, que no caso concreto se reporta a trabalhadores, que exercem funções de motoristas profissionais de matérias perigosas.

Chegados a este ponto, sublinhe-se que cabia aos serviços competentes do MTSSS, ao abrigo do artigo 447.º do Código de Trabalho, convidar a entidade interessada para alterar ou eliminar o preceito da al. c) do artigo 8.º dos seus Estatutos, por violação de lei imperativa ou por não ser essencial ao funcionamento da associação sindical e, no caso de recusa, enviar uma certidão do processado ao Ministério Público, acompanhado de um parecer fundamentado para requerer a nulidade do preceito. O MTSSS falhou neste seu múnus de fiscalização e procedimento.

Desconhece-se, por outro lado, a posição da Ordem dos Advogados, face à constante divulgação desta dupla qualidade arrogada pelo sr. advogado do SNMMP enquanto advogado patrocinando a organização e ser vice-presidente da mesma, sem sequer ser motorista –, nomeadamente quanto a uma averiguação para apurar até onde o quadro deontológico de qualidade de advogado tivesse sido violado, ao abrigo do que dispõe o artigo 81.º dos seus Estatutos, em sede de impedimentos e incompatibilidades, em homenagem ao princípio de incompatibilidade do advogado patrocinador, com qualquer cargo, função ou atividade que possa afetar a isenção, a independência e a dignidade de profissão.

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