O português que se “vingou” por não ter ido a Woodstock

Há precisamente meio século tinha lugar a primeira edição do festival Woodstock, nos Estados Unidos. Pelo aniversário deste mítico festival de música, o podcast Histórias de Portugal, traz a história de um português que se “vinga” por não ter conseguido ir a Woodstock. O programa de Marco António e Lucy Pepper, em parceria com o PÚBLICO, conta a história de alguém que trouxe Woodstock até si mesmo.

Corria o ano de 1969, um ano particularmente conturbado na história dos Estados Unidos da América. Os americanos estavam envolvidos numa guerra no Vietname, o povo mostrava-se contra o conflito armado e, com forma de contestar, forma-se um cartaz de música com notas pacíficas. Assim, nasce o festival Woodstock, que para muitos é hoje é o mais icónico festival de música de sempre.

Do outro lado do oceano estava José Oliveira a pedir o passaporte de urgência. Queria ir a Woodstock. “A música faz parte do meu ADN”, conta José ao podcast Histórias de Portugal. Agora, José vive em França, mas nos anos 60 era a partir de Coimbra que acompanhava a música americana – apesar de o pai não apoiar uma vida assente nessa arte. “Nunca precisei da Califórnia para ser um beach boy”, brinca José, em conversa com Brian Wilson, dos Beach Boys . Quando era novo, José guiava até à Figueira da Foz e Mira para passar o Verão e faltava às aulas para “ir ver as francesas”, num acto muito rock’n’rollPor isso, o português ficou estupefacto por saber que Brian, com uma casa em Malibu, mesmo em cima da praia, não metia os pés a areia há mais de dez anos.

Esta é apenas uma das passagens da vida de José que ficou marcada pela música. Olhamos para essa juventude para perceber melhor a história de quando este conimbricense se cruza com Woodstock. Quando tinha 17 anos, o Verão era um ritual e a guitarra ia sempre com José – mesmo não tendo banda. Nessa época sagrada, a viola era-lhe indispensável. Chegaram a metê-lo no Conservatório, mas “o rock’n’roll e as miúdas não podiam esperar”. Tal como cantava o vocalista dos Doors, Jim Morrison, José queria o mundo e queria-o já.

A notícia de que ia acontecer um “megafestival” chegou a Portugal - e aos ouvidos de José – 15 dias antes da abertura de Woodstock. Estamos, portanto, em julho de 1969. José tinha 21 anos e o chamamento do rock não podia ser ignorado. Havia que atravessar o Atlântico. Correu para o Palácio da Justiça, para tirar o passaporte, mesmo sem saber que bandas iam tocar. Foi-lhe dito que devido à guerra no Ultramar não era possível sair do país e com a idade de José era estranho não ter sido chamado para o exército. Semanas depois, chega uma carta para que se apresente nas Caldas da Rainha. Em vez de sair pronto para seguir viagem até Nova Iorque, acaba destacado para serviço militar em Luzo, no leste de Angola. A missão tinha passado de “engatar” turistas francesas para impedir “a invasão do inimigo, das pessoas que metiam lá minas.” Isto em 1971. Woodstock já lá ia – ou será que não?

No ano seguinte, 1972, chega uma circular: “Quem tocasse um instrumento devia se apresentar no hotel Luso para um verdadeiro casting”. O hotel era, naquela altura, requisitado pelos oficiais e foi então que José Oliveira mostrou aquilo de que era capaz. “Contrataram-me para viola ritmo de um conjunto”, conjunto esse de que ficou encarregado de formar. Ao fim-de-semana, o grupo voltava ao Hotel Luzo e tocava para os oficiais. A banda tocava também em clubes da cidade e, depois de uma viagem de avião, davam concertos na selva, “para militares isolados no mato”. José conta ao podcast Histórias de Portugal: “No momento de escolher o nome do grupo, vinguei-me.” O nome da banda? Woodstock. Não foi ao festival, o festival foi até ele.

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Hotel Luso DR

A ida à primeira edição de Woodstock, o festival, já não podia ser salva. A pergunta a fazer agora é a mesma que tinha Marco António, autor do Histórias de Portugal: o que soube José sobre o festival americano? As notícias demoravam a chegar, “então Portugal, havíamos de ser os últimos a ser informados”, ri-se José. Tudo o que José sabia sobre música fora-lhe ensinado pelo programa Em Órbita, da Rádio Clube Português, um programa que, diz José, não se limitava a passar as músicas, formava os ouvintes para conhecer a história dos grupos. Não foi a partir deste programa predilecto de José que soube das vivências em Woodstock, esse foi o papel de algumas publicações francesas: “O que me chegou foi que aquilo era um movimento pacifista, que lutava contra a violência, contra a guerra do Vietname.”

“Era como se lá estivéssemos”

Em Woodstock não tocaram apenas bandas conhecidas. José recorda-se de um guitarrista cujo nome, hoje, não passa ao lado de ninguém: Jimi Hendrix. De calças de ganga à boca-de-sino, lenço rosa à volta da cabeça e com as franjas da camisola a abanar enquanto da sua guitarra eléctrica branca saía o hino americano, diante de quase meio milhão de pessoas, estava Jimi. Purple haze ficou “cristalizada” na memória de muitos festivaleiros. Ao recordar isso, José conta o que disse aos amigos, quase de um fôlego: “Não fomos lá, mas era como se lá estivéssemos. Então nós em Mira, já andávamos com as francesas, tínhamos amor livre. Não precisávamos de Woodstock.” A banda que formam enquanto destacados em Angola era na onda do festival: de contestação.

É também nas revistas francesas que José vê as imagens do festival: “A primeira imagem que vi foi aquela capa do disco, daquele casal embrulhado no cobertor, e aquela malta toda no chão – essa foi uma imagem que nos tocou muito.” A presença de uma multidão em Woodstock explica-se rápido: a organização do festival viu que tanta gente queria entrar que anunciou que o festival passaria a ser grátis. Nos dias 15 e 18 de Agosto, o recinto da quinta de cerca de 240 hectares (o suficiente para mais de quatro mil campos de futebol) seria aproveitado para “três dias de paz e música”.

José estava ainda em Portugal enquanto se fazia história: “Foi a partir daí, de Woodstock e do festival de Altamont [Altamont Speedway Free Festival, 1969] que a indústria, o rock, mudou.” Estes dois festivais “abriram as portas para o hard rock”. José, um dos membros da então banda homónima do festival “fora de série” que era Woodstock, relata que as editoras se aperceberam da “mina de ouro” que estava nos outros estilos de música, géneros por explorar.

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José Oliveira DR

Em breves as editoras de músicas trariam cá para fora os discos. “Eu tinha de os adquirir.” José não ficou a “ruminar” no facto de ter sido impedido de ir ao festival. Já se tinha vingado ao baptizar a banda diante dos militares, mas a “vingança” não ficava por aí. “A partir do momento em que comecei a ter os discos na mão – o Mad Dogs & Englishmen, de Joe Cocker; o da Janis Joplin – outro sonho começou a desenvolver-se na minha cabeça, em que disse: tenho de me aproximar destes gajos. Esta vai ser outra vez a minha vingança em relação à minha malta amiga.” Enquanto essa malta tocava, incluindo o irmão, José “era o gajo que transportava os amplificadores, não curtia da mesma maneira.” Era a sua vez de se destacar. Como Marco António, autor do Histórias de Portugal, diz no episódio, “Passou a curtir de outra [maneira] – até melhor, talvez. Sem o estrelato, mas sempre perto do estrelato.”

O que fez José? É preciso ouvir o episódio do podcast Histórias de Portugal - de Saudade e Outras Coisas.

No ano em que se celebra os 50 anos de Woodstock, não haverá festival. A edição histórica que contava com um cartaz de estrelas – e que tinha também a presença de músicos que actuaram no primeiro Woodstock - foi cancelada. Isto, no início deste mês, cerca de duas semanas antes da data do festival.

Texto editado por Ruben Martins.

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