Nove processos por “publicidade ilegal” a fármacos com vitamina D

Médicos vão ter nova norma para receitar medicamentos contendo vitamina D, depois de vários estudos com as mesmas amostras de sangue terem apontado para níveis de défice deste nutriente substancialmente diferentes.

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NFS - Nuno Ferreira Santos

A Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde (Infarmed) instaurou nove processos de contra-ordenação contra empresas farmacêuticas por “publicidade ilegal” de medicamentos sujeitos a receita médica e contendo vitamina D. Em 2017, o Infarmed instaurou quatro processos e, no ano passado, mais cinco por este motivo, revelou a autoridade do medicamento ao PÚBLICO.   

O Infarmed dá conta em comunicado esta quarta-feira divulgado, de alguns resultados da avaliação do diagnóstico e do tratamento do défice de vitamina D em Portugal efectuado em conjunto com a Direcção-Geral da Saúde (DGS) e o Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (Insa), depois de se ter observado um aumento substancial, nos últimos anos, da utilização de fármacos e suplementos contendo vitamina D.

O Infarmed adianta também que foram definidos novos valores de referência “credíveis e consensuais entre a comunidade científica” sobre os níveis adequados de vitamina D (um nutriente lipossolúvel necessário para a absorção de cálcio e fósforo) e a sua determinação no sangue. E enfatiza que a definição de novos valores de referência se impôs porque foram observadas discrepâncias de valores em estudos diferentes feitos com as mesmas amostras de sangue.

A DGS e a Ordem dos Médicos elaboraram também uma nova norma de orientação clínica que vai ser publicada na página da DGS sobre “Prevenção e Tratamento da Deficiência de Vitamina D”, refere o comunicado. Ou seja, os médicos vão ter novas linhas orientadoras para prescrever este tipo de medicamentos. Neste contexto, e para orientarem a sua prática clínica, actualmente os médicos portugueses dispõem apenas de uma norma da DGS já com onze anos (2008) e que recomenda a suplementação com cálcio e com vitamina D aos idosos depois dos 65 anos e a mulheres pós-menopausa com risco de osteoporose. 

O que é certo é que os portugueses estão a consumir cada vez mais produtos para suprir o défice de vitamina D. Em 2017, gastaram 13,4 milhões de euros em suplementos deste tipo, o dobro do ano anterior. Mas a tendência de aumento de consumo já vinha de trás: entre 2014 e 2016, estas vendas tinham quintuplicado em Portugal, que é um dos países da Europa com maior exposição solar, factor que é fulcral para sintetizar o nutriente.

A questão que os especialistas colocam é: será que o recurso em massa à vitamina D faz sentido em Portugal, um país com tanto sol?

A dúvida colocou-se em Abril de 2017, quando a SIC fez uma reportagem em que chamava a atenção para o aumento da factura com este tipo de fármacos (que passou de 1,1 milhões de euros, em 2014, para 5,7 milhões em 2016) e na qual dava conta da existência de grande disparidade de resultados nas análises para detecção dos níveis de vitamina D em dois estudos que se baseavam nas mesmas amostras de sangue.

O assunto voltou à ordem do dia depois de, no final do ano passado, ter sido apresentado um estudo, anunciado como representativo da população adulta, do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra e da Faculdade de Medicina desta cidade, que indica que cerca de dois terços dos portugueses terão carência deste nutriente.

Em Abril de 2017, a SIC tinha comparado dois estudos, um da Universidade Nova de Lisboa (Epireuma), e outro também do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, que apontavam para resultados muito diferentes, apesar de incidirem sobre as mesmas amostras de sangue. O da Nova constatou um défice de vitamina D de 15,7% em mulheres com mais de 65 anos enquanto o de Coimbra apontava um valor (71,7%), ou seja, quase cinco vezes superior.

Foi a divulgação destes dados, em conjunto com o aumento galopante na despesa com fármacos para este efeito, que levou a que o Infarmed, a DGS e o Insa avançassem para a avaliação da “racionalidade clínica na prescrição de medicamentos” com vitamina D e também das “práticas promocionais daqueles medicamentos por parte das empresas farmacêuticas”. 

Nos últimos anos, têm sido divulgados vários estudos que referem elevadas prevalências de défice de vitamina D em Portugal e o último, o que foi apresentado na semana passada no chamado Fórum D, concluiu mesmo que mais de um quarto da amostra estudada tinha carência “severa” — menos de dez nanogramas por mililitro de sangue.

Em Outubro de 2018, Rui Nogueira, presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar, explicou ao PÚBLICO que a medida mais eficaz para combater eventuais carências deste nutriente não passa por medicamentos ou suplementos, mas sobretudo por actividade física regular. “Meia hora a caminhar por dia resolve este e muitos outros problemas”, prescreve Rui Nogueira, que lembra que, com exercício na rua, as pessoas apanham sol (através da exposição solar, os raios UVB são capazes de activar a síntese de vitamina D). O nutriente existe em alguns alimentos, nomeadamente peixes gordos, como salmão e atum. Por fim, estão disponíveis os suplementos e os medicamentos com vitamina D e é justamente aqui que tem havido grande controvérsia.

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