Política sem ideologia?

As democracias revigoram-se com a livre discussão de ideias e com a pluralidade de opiniões e perspectivas de solução dos problemas.

Há um pesadelo que aflige os meios neoliberais: a ideologia humanista dos direitos sociais. Daí, a sua exuberante “alergia” à ideologia que pretende cimentar as conquistas sociais emanadas dos avanços civilizacionais da humanidade e das sociedades em desenvolvimento.

Ora, uma ideologia assenta num sistema de ideias, princípios e valores que apontam para uma certa visão do mundo ou de uma sociedade concreta e que determina a intervenção de pessoas ou de grupos organizados de pessoas nos planos político, partidário, religioso, económico, jurídico e social.

Para esses meios neoliberais, a sua ideologia é baseada em “ideias-base” e numa matriz que pretende criar a ideia nos cidadãos de que são a verdade da vida e da natureza humana, escondendo atrás destas ideias os reais objectivos da sua acção. A matriz ideológica constitui, assim, a reprodução das contradições básicas de interesses em confronto numa sociedade.

Os neoliberais utilizaram meios de uma dimensão sem precedentes para elaborarem uma doutrina ideológica difundida sem cessar, que apontou para o “fim da História” e para a existência de um “pensamento único”, “ideias-base” essas formuladas como inevitáveis de modo a procurar paralisar a justa reacção dos cidadãos à acelerada degradação das suas condições de vida.

Os representantes neoliberais no nosso país chegaram ao ponto de copiarem integralmente as medidas de Margaret Thatcher iniciadas no início da década de 1980 na Grã-Bretanha para desarticular e privatizar o serviço nacional de saúde britânico (NHS), publicando em 1990 uma Lei de Bases da Saúde que fez a “importação” dessa ideologia de mercantilização da saúde.

Há uns meses atrás, o desencadeamento do processo de discussão de uma nova Lei de Bases da Saúde veio traduzir-se numa dinâmica discussão política que teve a enorme virtude de tornar mais claras as motivações efectivas dos vários sectores de opinião política, concretamente entre os que defendiam a lei de 1990 e as parcerias público-privadas (PPP) e os que defendem o SNS e uma gestão pública da saúde de qualidade.

Nessa discussão, o argumento de quem não tinha argumentos credíveis era considerar as opiniões contrárias como “preconceitos ideológicos”, baseadas em “trincheiras ideológicas” e até o líder de um dos partidos com representação parlamentar veio acusar quem defende o SNS como sendo uma posição determinada por “tabus ideológicos”. Afinal, segundo eles, só os que têm posições contrárias é que estão dependentes da ideologia.

Os meios neoliberais, que procedem à importação dos manuais ideológicos que sustentam a sua actividade política em torno de medidas que afrontam a dignidade humana, e que apregoam ideias antinaturais como o “fim da História”, não têm, pelos vistos, nenhum tabu ideológico. É tudo politicamente asséptico e despido de qualquer motivação. Expressam-se como se não existissem alternativas às suas ideias políticas.

Sempre se verificou em todas as circunstâncias que o pensamento precede a acção e é notório que sem teoria não há movimento político. Em nome da liberdade de consciência e da liberdade de opinião, não podemos permitir que os “pensamentos únicos” se imponham. É necessário fazer política com “P” maiúsculo, recredibilizando esta nobre actividade que é inseparável da vida em sociedade.

As democracias revigoram-se com a livre discussão de ideias e com a pluralidade de opiniões e perspectivas de solução dos problemas. Política e ideologia andaram sempre de braço dado. Política sem ideologia é sinónimo de mercenarismo! Abaixo o mercenarismo!

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