Um falso alarme de tsunami, há 20 anos, deixou o Algarve em pânico

O serviço regional de Protecção Civil foi apanhado de surpresa. Os veraneantes puseram-se em fuga, e cada qual correu o mais rápido possível. “Mostrou a má preparação que nós todos tínhamos”, confessa o então antigo governador civil, Fialho Anastácio.

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Fialho Anastácio Rui Gaudêncio

O antigo governador civil de Faro, Fialho Anastácio, não mais esqueceu o dia — e já passaram quase 20 anos — em que o Algarve foi atingido por um tsunami imaginário. Não houve mortos nem feridos, mas instalou-se o pânico.“Estava na praia do Barril (Tavira), com minha mulher, num domingo [22] de Agosto”, evoca. No intervalo entre um mergulho e um banho de sol, recebe um telefonema de Lisboa: “Sabe alguma coisa de uma onda gigante aí, no Algarve?”, pergunta-lhe o então ministro da Administração Interna, Jorge Coelho. O representante do Governo na região, de imediato, accionou as campainhas da Protecção Civil. “Vou já saber o que se passa”, respondeu.

Num primeiro momento, Fialho Anastácio teve uma surpresa: “Liguei para o delegado regional da Protecção Civil, Reis Luís, e ele não sabia ainda o que se estava passar.” Estranho, caso fosse verdade — ou talvez não, atendendo à forma como as coisas então se passavam. 

Nessa altura, na zona do Barlavento — entre Albufeira e Portimão/Lagos — já corria a notícia do avistamento da tal “onda gigante” a aproximar-se da costa a grande velocidade. A informação, divulgada pela rádio, galgava ao jeito de “quem conta um conto...”. O tsunami, ocorrido na ilha das Flores (Indonésia), seis anos antes (1992) e que causou mil mortes, estaria presente.

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Reportagem publicada a 23 de Agosto de 1999 no PÚBLICO

Na linha do horizonte, diante dos olhos dos milhares de banhistas, — num dia quente, sem vento, em plena época de férias — a onda, real ou imaginária, agigantava-se. O Algarve, recorde-se, é uma zona de risco sísmico.

O então capitão do porto de Portimão, Carvalho Araújo, ordenara a evacuação das praias. “A Marinha, enquanto autoridade marítima achou que não tinha que dar satisfações à Protecção Civil”, frisa Fialho Anastácio, reconhecendo ter havido “alguma precipitação” na decisão tomada. Porém, admite, “não se sabia, verdadeiramente, o que se estava a passar”. O Instituto de Meteorologia e Geofísica não detectara qualquer situação anormal, mas não se falava de outra coisa. Para tornar a situação mais verosímil, foi até divulgado o “testemunho” de um avião comercial que sobrevoava a zona, dando como verdadeira a tal onda gigante.

A Polícia Marítima, por volta da hora do almoço, arranca com jipes pelo areal adentro e ordena a retirada de toda a gente da praia. Cada qual à sua maneira, o mais rápido possível, procura refúgio nas zonas do interior, chegando até à serra de Monchique. “A Marinha esqueceu-se que era importante dar conhecimento à Protecção Civil para haver articulação com as forças policiais”, observa o ex-governador civil, concluindo: “Se fosse real, teria havido mortos.” Mas também se registaram casos paradoxais. Na praia de Quarteira, por exemplo, as pessoas saíram da praia, permanecendo na marginal como se houvesse um sinal vermelho para mandar parar o mar ao aproximar-se das pessoas. Outros, levando a ameaça a sério, subiram às varandas dos prédios ou arrancaram de automóvel para a zona de barrocal e serra.

Carvalho Araújo, numa entrevista à SIC (programa Perdidos e Achados de 2013), justificou a ordem que deu como medida preventiva. Mas não foi o único a ir na onda dos boatos. “Começaram a chegar à capitania, de forma espontânea, o presidente da câmara [de Portimão], presidente da Região de Turismo do Algarve, elementos da PJ e da GNR”, todos alarmados com o que poderia acontecer. Perante as dúvidas, ordenou: evacuar todas as praias. Os restaurantes à beira-mar ficaram sem clientes, e não houve tempo sequer para pagar a conta do almoço, nalguns casos. Fugir o mais rápido possível foi a prioridade.

Quando tudo a acabou, o tema passou a ser motivo de anedotas. O oficial da Marinha pediu a passagem à reserva. Afinal, tudo não passara de uma ilusão de óptica, originada pela refracção da luz, num dia muito quente. A verdade, porém, é que mesmo os pescadores e até barcos da marinha mercante corroboram a ideia de que “algo estranho” se passava. À distância de duas décadas, Fialho Anastácio avalia: “Depois disto tudo, tenho de dizer que, para mim, teve um mérito: mostrou a má preparação que nós todos tínhamos para enfrentar situações destas.” A seguir, a Universidade do Algarve em colaboração com outras instituições universitárias desenvolveu um estudo sobre o risco sísmico da região, e foi criado um Plano de Emergência para accionar em cenários de catástrofe.

O clima de perturbação, pânico, nalguns casos, ocorrido naquele dia de Agosto só se dissipou a meio da tarde quando saiu um comunicado do Serviço Nacional de Protecção Civil a tranquilizar os veraneantes, informado que tudo não passara de uma ilusão. Os engarrafamentos de trânsito prolongaram-se até à noite. Por fim, Fialho Anastácio lembra que “pediu desculpas” pelo alarmismo criado, fruto da falta de informação e de coordenação entre as várias entidades. A Protecção Civil, nesse tempo, estava a dar os primeiros passos. Muita coisa, entretanto, mudou. Mas estará a região preparada para enfrentar um tsunami a sério?

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