Habitação: chega desta brincadeira

Já tentaram encontrar uma casa em Portugal e negociar com os proprietários? Se já, decerto concordam comigo que é uma dor de cabeça que só traz mais enxaqueca. Não há Ben-u-ron que ajude. Agora, só mesmo um Xanax.

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Echo Grid/Unsplash

Desta brincadeira do “mercado da oferta e da procura”. Muitos de nós estudámos esse termo nas salas das nossas universidades. Nós sabemos o que isso é.

Mas, honestamente, não me ensinaram que era um termo que, um dia, viria a obrigar os jovens dessas mesmas salas a suplicar para poder viver na sua própria terra. Contra mim falo. Sou uma das intrusas, mas vivi aqui a minha vida toda. O meu sangue já está mais luso do que outra coisa qualquer. Sei mais expressões do calão em português do que na minha própria língua. Quando penso muito e exaustivamente, lembro-me que não nasci aqui.

Mas muitos outros nasceram num aqui que já não os quer. Um aqui mais preocupado em recrutar mão-de-obra barata do que em manter a sua. Um aqui mais focado em conseguir sete meses de caução, 10 fiadores e um unicórnio que tenha o IRS em dia. Um aqui que se queixa que está a ficar envelhecido, mas não faz nada para manter o jovem daqui. “Só emigram”, dizem eles. “Já não querem mais trabalhar aqui, muito menos ter filhos!”, acrescentam. 

Já tentaram encontrar uma casa em Portugal e negociar com os proprietários? Se já, decerto concordam comigo que é uma dor de cabeça que só traz mais enxaqueca. Não há Ben-u-ron que ajude. Agora, só mesmo um Xanax.

Não gosto de apontar dedos porque, sempre que apontamos um dedo, temos três apontados para nós, mas colegas, o que é que vocês estão a fazer?

Eu percebo que todos queremos garantias. Eu própria gostaria de ter imensas. Mas quando é que critérios ridículos se tornaram garantia de alguma coisa? A nossa realidade está completamente desformatada, já repararam nisso? Temos pessoas que aparentam ser decentes e são os maiores aldrabões.

Temos indivíduos que parecem aldrabões, mas que, em contrapartida, têm princípios de vida correctos e éticos. Já nada é o que parece e tem sido assim desde sempre. A única garantia que temos é que ninguém é eterno. Tudo o resto faz parte do lado incrivelmente encantador da nossa vida. Uma verdadeira caixinha de surpresas.

Quando é que vamos aprender a separar as águas? A distinguir o Sul do Norte? Tem de se parar de aplicar os mesmos critérios de avaliação a pessoas que nada têm a ver umas com as outras. Um aveirense de gema deveria conseguir, pelo menos, ter uma conversa com o proprietário sem ter de ouvir “Se ao menos vocês me pagassem seis meses de renda em avanço... Além disso, há pessoas que estão dispostas a pagar 800 euros por mês por este imóvel”. Sim, sim, mas o seu cubículo de bonecas de porcelana e equipamento do ano de 1980 não vale 800 euros — e você sabe disso.

Ainda há dias — e quem diz há dias, diz ontem — visitei uns apartamentos com o típico senhorio intratável. Disse-me que era um democrata: se pedia 1500 euros de caução para uns, pedia para outros. Generalizou-nos. Teve uma má experiência com um jovem que só fumava e plantava cannabis e, agora, pensa que somos todos iguais. Disse que queria fiador e que, na lavandaria comum, cobra três euros para lavar umas cuecas. Para secar a roupa não podia ser dentro das casas, nem na incrível lavandaria profissional que lá montou. Teria de estender as minhas t-shirts de cinco euros num minúsculo pátio comum.

O apartamento T1 só tinha um armário do tamanho de um pixel, onde talvez coubessem dois pares das minhas calças. Pior é para quem tem carro: a zona em causa nem permite estacionar uma moto a mais. Comentei com ele que, para o preço que pede, não oferece as condições necessárias. Em resposta, disse-me que eu deveria adoptar o minimalismo. Temos guru.

Ignorei os comentários tristes do homem que diz também já ter vivido em más condições durante anos da sua vida. Agora apegou-se ao capitalismo. Só quer dinheiro e tanto se lhe dá se oferece as mesmas condições tristes nas quais viveu há alguns anos. Disse-lhe que é por estas e por outras razões que os jovens deste país se vão embora. Sabem qual foi a resposta dele? “Pois.” Não existe argumento possível para pessoas que não querem saber. Virei costas e fui-me embora.

Já não nos querem. Não somos os imigrantes que vieram para Portugal com 20.000 euros na conta, 5000 euros de pensão, nem temos Vistos Gold. Somos as crianças normais, daquelas mesmas salas universitárias que vocês educaram aqui — nesta realidade — e, algures no tempo, decidimos ficar só para perceber que isto é um aqui que não nos quer mais. Chamávamos a isto casa, mas casa é um sítio que nos faz sentir bem-vindos. E aqui já não o somos. Dizem-nos que não há nada a fazer pois é o mercado da oferta e da procura.

Cá por mim só procuro que me deixem ficar. Em troca, ofereço o melhor de mim. E talvez até aumente o pobre índice de natalidade. Que tal este termo? Vamos estudá-lo?

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