Um contentor para arrendar por 600 euros em Lisboa? Câmara decreta a sua “remoção imediata”

Anúncio a contentores “T0” a arrendar por 600 euros na zona de Marvila gerou indignação nas redes sociais. O anunciante defende a oferta como ambientalmente sustentável. A câmara de Lisboa afirma que os “apartamentos” são ilegais.

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As imagens dos espaços publicadas no anúncio na plataforma online OLX OLX
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Seiscentos euros mensais era o valor a pagar por um dos seis “apartamentos” T0, inseridos em contentores, que se encontravam para arrendar no número 167D da Rua de Vale Formoso de Cima, na freguesia de Marvila, em Lisboa. O anúncio a estas habitações, que foi publicado originalmente em Julho na plataforma online de classificados OLX (e depois replicada noutros sites de imobiliário), mostrava um espaço para arrendar com 12 metros quadrados, onde cabia um beliche para duas pessoas, uma cómoda e uma casa de banho (sem porta a separar do quarto) com um duche, uma sanita e um pequeno lavatório. O valor da renda seria de 600€ — o equivalente a 50€ por metro quadrado (se considerarmos apenas este espaço interior de 12 metros quadrados). Note-se que, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) referentes ao segundo semestre de 2018, o valor mediano das rendas de alojamento no município de Lisboa fixava-se em 11,16 euros por metro quadrado.

No OLX, a legenda do anúncio sublinhava que estes “apartamentos são ecocontentores recuperados e isolados”, com uma lotação de duas pessoas cada (com a opção de cama de casal ou beliche). Além destes espaços, o anúncio garantia a existência de “400 metros de áreas comuns”, incluindo uma “zona de preparação de refeições e uma sala comunitária”.

“São dois contentores com três unidades cada um. Neste momento já não há nada disponível, já estão todos reservados”, começou por explicar ao PÚBLICO o anunciante João Mendonça, acrescentando que os espaços seriam ocupados a partir de Setembro.

Seriam, mas já não vão ser ocupados. Esta terça-feira, e em resposta ao PÚBLICO, o gabinete do presidente da câmara de Lisboa, Fernando Medina, afirmou que o terreno em causa é privado mas “as estruturas são ilegais por não terem sido precedidas do respectivo licenciamento nos serviços de urbanismo da CML, estando em causa condições de habitabilidade e de segurança/acesso ao local”, tendo já sido “determinada a intimação à remoção imediata dos contentores, demolição da rede de infra-estruturas e a imediata cessação de utilização com abertura de processo de contra-ordenação”. A autarquia tomará ainda “as devidas medidas em caso de incumprimento do determinado”.

Até à ordem de remoção, o anúncio a estes contentores tinha-se tornado num foco de controvérsia nas redes sociais, com críticas ao valor cobrado por um T0 e a um aparente sintoma da escalada das rendas em Lisboa. Ao PÚBLICO, João Mendonça defende a renda anunciada e o conceito comercializado: “Os econtainers são contentores reciclados que são transformados em casas de classe energética muito elevada porque são atérmicas. Têm uma classe energética muito mais alta do que qualquer tipo de casa convencional e existem milhares em toda a Europa, nomeadamente no Norte da Europa por causa das condições meteorológicas”.

O anunciante explicou ainda que o projecto é da responsabilidade de uma empresa holandesa, que terá unidades semelhantes noutros países europeus (incluindo cerca de 800 em Espanha) e terrenos em vista noutras zona de Portugal, e que visa “utilizar materiais 100% recicláveis” nestes contentores transformados em alojamentos.

Uma solução “sustentável” contra o “provincianismo português"

“É uma solução 100% sustentável comparado com uma habitação. Não tem fundações, não interfere com o sítio onde é colocado, não há movimentação de terras, não há degradação de solos”, defendeu João Mendonça.

O anunciante garantia ainda que, por se tratarem de espaços teoricamente amovíveis, estariam dispensados de licenciamento da câmara municipal, o que não se veio a confirmar: “Não são construções fixas, ou seja, é como estacionar uma autocaravana dentro do seu quintal”. Os contentores “já vêm construídos e são colocados num espaço” e, para os proprietários dos terrenos, podem tornar-se numa fonte de receita, já que a empresa holandesa pagará uma renda ao dono do espaço.

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Questionado sobre o valor da renda a cobrar aos inquilinos, como os 600 euros pedidos no caso dos contentores de Marvila, João Mendonça justifica que “o preço tem tudo incluído” — água, luz, Internet, limpeza e segurança. “É utilizado essencialmente por pessoas que estão por períodos curtos, eventualmente no centro da cidade, e são mais económicos do que um quarto de hotel”, sublinha. Os arrendatários teriam ainda acesso a uma “zona de 400 metros com serviços de cozinha, lavandaria e sala de estar” – sendo que estas áreas partilhadas localizam-se num edifício adjacente aos contentores – e uma assistência por parte dos funcionários disponível 24 horas por dia. “O único que não está incluído são as refeições”, conclui.

Segundo João Mendonça, os contentores já estariam todos reservados, tendo sido “alugados por mês”, maioritariamente por estrangeiros. Quanto à indignação que o anúncio suscitou nas redes sociais, o anunciante justifica com “o provincianismo habitual português” e refere que os espaços foram rapidamente reservados por clientes holandeses, franceses e um dinamarquês “que optam por este tipo de solução”. 

O regresso à “Lisboa das barracas"?

Para o Bloco de Esquerda, através do gabinete do vereador Manuel Grilo, “o aparecimento dos ‘contentores’ como soluções de habitação é um reflexo grave da precariedade extrema do direito constitucional que falta cumprir”.

“Este parece um regresso modernizado às soluções precárias, à Lisboa das barracas que tantos conheceram e cujo fim foi uma conquista civilizacional. O Estado tem de tomar o exemplo do investimento público que o Bloco impôs no acordo para governar Lisboa e assumir a sua responsabilidade na habitação pública”, afirma a vereação bloquista numa resposta enviada ao PÚBLICO.

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