Arrancaram os trabalhos de reforço de areia nas praias da Costa de Caparica

Trabalhos vão durar dois meses e praias vão fechar rotativamente, à medida que estiverem a ser intervencionadas. No final, terão sido repostos um milhão de metros cúbicos de areia. Comerciantes, banhistas e concessionários dividem-se quanto à execução dos trabalhos em pleno mês de Agosto, apesar do Ambiente justificar que esta é a altura do ano em que o mar oferece condições.

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Trabalhos de reposição de areia começaram em plena época balnear e vão durar até Outubro LUSA/MIGUEL A. LOPES

Dizem os antigos que nas primeiras décadas do século passado existia ainda uma restinga, uma língua de areia, que permitia ir da Cova do Vapor à ilha do Farol do Bugio a pé em altura de maré baixa. Desde então, as praias encurtaram — também por acção humana. De 1999 a 2007, a linha de costa entre a Cova do Vapor e São João da Caparica recuou em média cerca de 26 metros (3,3 metros/ano), 42 se se atentar no sector norte. Para tentar manter os areais, mas também para proteger a costa, dez zonas balneares da Costa de Caparica e São João de Caparica, em Almada, começaram esta terça-feira a ser reforçadas com areia. A intervenção deverá estender-se pelos próximos dois meses, até 18 de Outubro, levando ao encerramento rotativo das praias em plena época balnear. 

Esta é “uma obra de protecção costeira”, diz a Agência Portuguesa do Ambiente (APA), e tem como objectivo “a protecção de pessoas e bens através da melhoria da protecção da costa contra o desgaste e destruição provocados pela acção dos agentes hidráulicos de erosão, conseguindo-se que a zona de rebentação da ondulação fique mais afastada da linha de costa, evitando, também, o recuo da linha de costa e a consequente perda de território em termos de área”. 

Como explicou o vice-presidente da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), José Pimenta Machado, durante a assinatura do auto de consignação da obra, no Posto de Turismo da Costa de Caparica, os trabalhos tem de ser feitos durante a época balnear porque “é a altura do ano em que o mar oferece condições”. A operação das dragas e o bombeamento de areias para as praias só se pode realizar-se em período de baixa ondulação (menos de dois metros) e sempre respeitando as marés, justifica a APA. 

A obra terá “um impacto muito significativo na protecção de todo o sistema urbano de protecção de pessoas e bens”, além do “alargamento das áreas de praia para fruição por parte das populações”, disse a secretária de Estado do Ordenamento do Território e Conservação da Natureza, Célia Ramos, citada pela Lusa. 

“Fazer isto em pleno Agosto é um absurdo”

Os trabalhos arrancaram na Nova Praia e na Praia da Saúde, sob o olhar atento de alguns banhistas que, para já, não notaram ainda grandes constrangimentos no acesso ao areal. A área de interdição ainda é reduzida, mas será alargada nos próximos dias, à medida que os trabalhos forem avançando. Na manhã desta terça-feira, apenas se assistiam aos trabalhos de modelação de terrenos e estava já montado o tubo com cerca de 800 metros e 60 centímetros, que conduz as areias dragadas do Canal da Barra Sul, na entrada do estuário do Tejo, para as praias. 

Não é a primeira vez que se faz este tipo de intervenção nas praias da Caparica, por isso são poucos os banhistas apanhados de surpresa. A última vez que se reforçaram os areais foi em 2014. Em Fevereiro desse ano, o mar galgara o paredão, destruindo alguns estabelecimentos comerciais, havendo depois a necessidade de se repor areia nas praias. 

Ao PÚBLICO, comerciantes, concessionários e banhistas dividem-se nas opiniões sobre se a intervenção deveria ser ou não feita agora. Um gerente de um bar/restaurante na Nova Praia prevê que o negócio não seja muito afectado porque o tempo de intervenção é curto. “E as pessoas não deixam de ir à praia, apenas passam para a do lado”, diz. Este tipo de intervenção também não é novidade para António Pinto, 75 anos, morador na Costa da Caparica. “Tem que ser feito, tem que ser feito”, diz, admitindo que o impacto será diminuído uma vez que serão intervencionadas uma de cada vez. 

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LUSA/MIGUEL A. LOPES

Para os concessionários, a vida complica-se mais porque terão de retirar das praias todos os chapéus-de-sol e espreguiçadeiras. “Vai-nos afectar e muito. Fazer isto em pleno mês de Agosto é um absurdo”, diz Laura Dalmolien, 26 anos, funcionária de uma concessão da Praia Nova, galardoada com bandeira Azul.

Os trabalhos vão decorrer 24h sob 24h, sete dias por semana, durante dois meses para dragar, transportar e a repulsar para as praias um milhão de metros cúbicos de areia — o equivalente a 400 piscinas olímpicas cheias de areia. Estes trabalhos, realizados em parceria do Porto de Lisboa, estão orçados em 5,8 milhões de euros, financiados por fundos comunitários do Programa Operacional Sustentabilidade e Eficiência no Uso de Recursos (POSEUR). Segundo dá nota a APA no seu site, há uma aplicação móvel – Info Praia – com informação sobre qual a praia está a ser intervencionada. 

Acabar com algumas praias?

O Plano Metropolitano de Adaptação às Alterações Climáticas da Grande Lisboa reconhece que, “no quadro da subida do nível do mar e da escassez de sedimentos na faixa litoral, a erosão costeira tenderá a acentuar-se nos próximos anos, nas zonas de litoral baixo e arenoso, com especial incidência no sector Cova do Vapor – Fonte da Telha”. E que para que se mantenham as praias como hoje as conhecemos será necessário que “continuem regularmente as intervenções de alimentação artificial e a manutenção das obras de defesa costeira”. “Tendo em consideração as incertezas relativas aos cenários de alteração climática, será conveniente interditar novas construções nas áreas de risco sinalizadas e equacionar a relocalização de alguns equipamentos e aglomerados”, lê-se ainda no documento. 

Face a este cenário, o presidente da associação ambientalista Zero, Francisco Ferreira, diz que é preciso repensar estas soluções para que sejam “mais definitivas” e se avaliem os seus custos a 30, 40 anos. “Ou continuamos a resolver os problemas desta forma rotineira ou investigamos quais são as soluções mais definitivas”, defende. E isso pode passar por tomar “medidas mais dramáticas” como abdicar de algumas praias para que se mantenham outras de forma “mais eficiente”. Para o ambientalista, o Plano Metropolitano de Adaptação às Alterações Climáticas tem de dar resposta a estas questões. 

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