Devemos ser indiferentes a Bolsonaro?

A indiferença frente a Bolsonaro significa ignorar os pedidos de socorro que soam pelo Brasil. Todos recordamos que fascismos dos anos 30 na Europa também foram eleitos sem que os outros governos europeus mostrassem grande incómodo. As consequências que essa indiferença provocou marcaram a História para sempre.

Ana Sá Lopes (ASL) criticou, em editorial do PÚBLICO, a posição assumida pelo Bloco de Esquerda de considerar inaceitável a visita oficial do Presidente Bolsonaro a Portugal, prevista para o início de 2020, e de pedir o seu cancelamento.

Para ela, não faz sentido manifestar ao povo irmão brasileiro solidariedade contra os atropelos à democracia praticados pelo Presidente do Brasil, porque foi esse mesmo povo que o elegeu “em eleições até agora não declaradas ilegais.”

O motivo invocado pelo Bloco foi o ataque de Bolsonaro à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) afirmando, em tom de troça, que Fernando Santa Cruz, pai do atual presidente da Ordem, Felipe Santa Cruz, não foi assassinado pela ditadura e sim pelos seus próprios camaradas. Isto quando todos os documentos demonstram o contrário.

Para ASL, tratou-se apenas de “mais uma imbecilidade de Bolsonaro”, “nada de novo” vindo de quem já antes glorificara o torturador Brilhante Ustra. Nada que justifique o cancelamento de uma visita de Bolsonaro a Portugal. “O BE quer romper relações com o Brasil?”, fulmina ASL.

O que choca na posição do editorial é a indiferença com que assiste à atuação do governo de Jair Bolsonaro como se esta nada tivesse a ver connosco. O povo brasileiro elegeu Bolsonaro, agora que se amanhe.

Diante da avalanche de provocações neofascistas do Presidente do Brasil, os portugueses deveriam ficar impávidos e recebê-lo como a qualquer dignitário. É como se Portugal fosse uma espécie de hotel aberto a qualquer governante de qualquer país do mundo com quem tenhamos relações. Se fosse assim, não precisaríamos de um chefe de diplomacia. Bastava um chefe de protocolo.

O ataque a Felipe Santa Cruz foi grave porque mostrou que a Bolsonaro sobra a crueldade e falta a empatia com o ser humano. E, sobretudo, porque desrespeitou os fundamentos do Estado Democrático de Direito, entre eles “a dignidade da pessoa humana, na qual se inclui o direito ao respeito da memória dos mortos”, como bem disse a OAB.

ASL tem razão quando diz que Bolsonaro nunca escondeu a sua admiração por torturadores. Mas no impeachment de Dilma ele era apenas um aspirante a candidato à presidência. ASL erra ao tratar Bolsonaro como um fulano que comete muitas “imbecilidades”. As atitudes do Presidente do Brasil parecem disparatadas mas  são pensadas e têm alvos precisos: destruir a liberdade de imprensa, proteger os lucros do agronegócio, incentivando o desmatamento da Amazónia, reabilitar a ditadura militar de 1964-1984, entre outros.

A indiferença frente a Bolsonaro significa ignorar os pedidos de socorro que soam pelo Brasil. Todos recordamos que fascismos dos anos 30 na Europa também foram eleitos sem que os outros governos europeus mostrassem grande incómodo. As consequências que essa indiferença provocou marcaram a História para sempre.

Bolsonaro, é certo, venceu umas eleições em condições muito específicas e num processo manipulado para que o líder de todas as sondagens não pudesse ser candidato. Diga-se em abono da verdade que, ao fim de 200 dias de governo, o apoio de que desfruta caiu para 31% (foi eleito com 55,13% dos votos), enquanto a reprovação subiu para 39,3%.

Mais um motivo para não ficarmos indiferentes. O Bloco não propôs qualquer rutura de relações com o Brasil. Mas, nas relações diplomáticas entre Estados, um deles pode (e neste caso deve) manifestar o seu desagrado com o que se passa de grave no outro. Por exemplo, cancelando uma visita. Atitude que fica ainda mais facilitada, neste caso, diante da afirmação de Augusto Santos Silva de que o MNE não pode cancelar uma visita que ainda não foi marcada. Ótimo. Se não foi marcada, embora tenha sido dada como certa para o início de 2020, é só não a marcar.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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