Um vibrador para “todos os corpos” que pode ser o futuro dos brinquedos sexuais

Chama-se Enby, é assumidamente não-binário e destina-se a qualquer corpo e anatomia. É o primeiro produto com assinatura Wild Flower, uma loja de produtos eróticos que não gosta de gavetas de género.

Foto
DR

Pode parecer um selim de uma bicicleta, à primeira vista. Mas tudo muda à segunda, terceira ou quarta impressão (pun intended). O Enby é um brinquedo sexual para qualquer corpo e anatomia. Assumidamente não-binário, adapta-se a diferentes géneros, orientações e experiências sexuais, ou não fosse esta a grande missão da casa-mãe, a norte-americana Wild Flower.

Foto

O nome já diz ao que vem: Enby é o diminutivo de non-binary em inglês, isto é, pessoas que não se identificam integral ou exclusivamente como homens ou mulheres. Assim, o vibrador recarregável foi desenhado para “todos os corpos”, explica ao telefone com o P3 Amy Boyajian, que fundou a Wild Flower com o marido Nick, em 2017. Tanto pode ser pousado numa cama e entusiasmar quem se massaja em cima da pequena curva (nomeadamente, pessoas com vulvas), como pode ser apertado para rodear e massajar pénis. Ou colocado num arnês, no interior da roupa interior e sabe-se lá o que mais: há quem já tenha surpreendido a dupla de criadores ao utilizá-lo para estimular a próstata ou os mamilos. “É um vibrador que essencialmente convida a exploração. Seja qual for o corpo que tenhas, se estiveres sozinho ou com um companheiro, podes descobrir novas formas de prazer”, conclui Amy.

Desde que criaram a loja online que Amy e Nick ansiavam por finalmente terem capital suficiente para desenharem o seu próprio sex toy. A história do casal lembra uma comédia romântica. Amy, hoje com 29 anos, identifica-se como não-binária, queer e pansexual. É natural de Birmingham, no Reino Unido, mas vive nos EUA há mais de uma década. Chegou para estudar no Fashion Institute of Design & Merchandising, em Los Angeles, mas, entretanto, já fez um pouco de tudo: trabalhou em vendas, produção de eventos e como dominatrix. Foi, aliás, enquanto trabalhadora do sexo que veio “muita” da sua educação sexual e se apercebeu do que ainda “faltava fazer” para tornar a sexualidade mais acessível e com menos gavetas – preocupações expressas também no site da Wild Flower, que disponibiliza vários conteúdos mais informativos com Amy a protagonizar uns quantos vídeos algo didácticos.

Por seu turno, Nick, de 34 anos, tem um longo background em tecnologia. É um autodidacta, seja como engenheiro, programador e artista. Trabalhou na Apple, em startups, na Google, sempre a alimentar uma paixão por robótica e design de hardware (e uma mente aberta – identifica-se como queer). Dois espíritos livres, duas wildflowers, que se conheceram num café em Manhattan, Nova Iorque. Conversa puxa conversa, em duas semanas estavam a viver juntos, pouco depois noivos, logo a seguir casados. “E desde o início que queríamos arranjar uma maneira de trabalhar juntos”, diz Amy, entre risos. E completa Nick: “Quanto mais olhava para a indústria do sexo, mais percebia que existiam muitas oportunidades para alguém como eu.”

O primeiro pensamento foi: “Vamos desenhar um sex toy! Amy é especialista em sexo, eu sou engenheiro, podemos desenhar um óptimo brinquedo.” Mas, conta ele, é “caro”. Conseguiram fazê-lo um mês antes de a Wild Flower completar o segundo aniversário. Até agora, dedicaram-se a procurar os 350 produtos que se encontram na loja online, todos eles sujeitos a um rigoroso processo de selecção para respeitar o espírito inclusivo do projecto. Entre a lista de marcas representadas está, por exemplo, a Dame ou a Le Wand, mas estão ausentes algumas das maiores empresas da área. Às vezes basta que o nome do produto deixe de fora um género em particular para já não entrar na loja. “E deixamos claro a essas empresas que não o vendemos por isso”, diz Nick. “Queremos empurrá-los a tomar melhores decisões.”

Aqui não entram produtos associados a um género – não há cá brinquedos “para homens” ou “para mulheres”, antes segmentados por partes do corpo ou função. Nada de produtos com “cor de pele”, muitos deles “discriminatórios e racistas”, diz Amy. E todos têm de ser seguros (“mais de 70% dos que se encontram na indústria são feitos de materiais considerados tóxicos para inserir no corpo”) e oriundos de negócios éticos (“Tentamos trabalhar com empresas que se preocupam com os trabalhadores, vemos de onde vêm os investimentos, quem está a lucrar com eles e se estão preocupados em fazer produtos de qualidade para os clientes”). Tudo isto comunicado de uma forma fluida e leve, como aliás se vê pela campanha de promoção do novo brinquedo, cujo design foi assinado por Nick e aprimorado na cozinha de casa.

O negócio corre bem. Não dão números exactos, mas, afiança Nick, “milhares” fazem compras todos os meses e “centenas de milhar” visitam o site. À venda por 74,99 dólares (cerca de 67 euros), o Enby está a ser um caso sério: “Já vendemos milhares e não conseguimos produzi-los mais depressa.” Neste momento, não há nenhum em armazém, a fábrica na China está a trabalhar o mais depressa que consegue. Razões do sucesso? Talvez ter sido desenhado em função do feedback dos clientes nos últimos anos. Pessoas que lhes escreviam a pedir um brinquedo que, se fizessem uma cirurgia de reatribuição sexual, não tivesse de ser descartado. Ou que pediam um vibrador onde se pudessem roçar a pélvis ou sentar.

Não é o primeiro brinquedo de género neutro (o Transformer da Lelo já deu que falar há uns anos). E provavelmente não será o último. “Acho que mais brinquedos vão seguir esta tendência”, considera o empresário. E neste mundo mais colorido, mais empresas, como na moda, vão “evoluir” nesse sentido e começar a vender produtos “direccionados para uma parte da anatomia” ou função, e não para o género. O que, evidencia Nick, só traz vantagens: “Do ponto de vista comercial, não limitas o mercado. E, por outro lado, não alienas pessoas.”

Sugerir correcção
Comentar