Funcionários que anseiam por salários cortados

A Vanessa defende o inquérito motivacional: “Qual é o mal do Governo querer avaliar o grau de felicidade dos funcionários públicos? Qual é o problema de querer saber se gostaram mesmo de ser aumentados? Pode haver alguns deles que odiaram que acabassem os cortes! Que ficaram mesmo lixados!”

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— Já viste o inquérito motivacional do Governo?

A Vanessa está de férias, com excesso de tempo livre, algum aborrecimento (coisa que acontece nas férias mas ninguém se dispõe a reconhecer) e muito motivada para me telefonar a toda a hora. Eu já fiz férias e vou levar, aqui no jornal, com a greve dos motoristas e o resto que Agosto nos reservar. Não me queixo: sempre gostei de trabalhar em Agosto. A silly season diverte-me. Só que as coisas mudaram: ultimamente passam-se dias e dias em que a silly season (mais ou menos como o sol) recusa-se a aparecer e outros dias em que é tão, mas tão silly, que nos deixa em assombro.

[Agora desliguei o telefone à Vanessa para ir ver Jaques Morelenbaum e um homem adorável que não conhecia chamado Fred Martins cantarem o “Chega de Saudade” do João Gilberto e serem entrevistados pelo Nuno Pacheco aqui no auditório do PÚBLICO. A vida às vezes é amena]

Ligou-me outra vez. A Vanessa queria que eu lhe dissesse o que pensava do famoso “inquérito motivacional” do Governo aos funcionários públicos, prontamente retirado por alguém com um neurónio ainda a funcionar. Nunca desprezar a capacidade de um neurónio.

Eu não me encontrava muito motivada para falar do inquérito motivacional. Às vezes a falta de motivação deriva do cansaço e de alternativas melhores: preferia voltar a a ouvir o “Chega de Saudade” que não me sai agora da cabeça.

Mas a Vanessa insistia:

— Era um inquérito queridinho, porque é que hoje toda a gente embirra com tudo? É simpático o Governo querer saber se estamos mais felizes agora do que depois do Sócrates ter mandado chamar o FMI. Eu estou mais feliz, não tenho qualquer problema em admiti-lo. Tu não estás mais feliz? Qual é o mal do Governo querer avaliar o grau de felicidade dos funcionários públicos? Qual é o problema de querer saber se gostaram mesmo de ser aumentados? Pode haver alguns deles que odiaram que acabassem os cortes! Que ficaram mesmo lixados com isso! Pode haver gente com ganas de fazer greve e paralisar os serviços do Estado para ter os cortes de volta! Um Governo precisa de saber quantos funcionários do Estado se irritam profundamente quando têm mais dinheiro no bolso. Imagina que a uma percentagem grande dos funcionários públicos lhes apetecia mesmo que os cortes tivessem continuado? Como é que depois o Governo lidava com aquilo? Mandava cortar salários? Eles têm de saber.

Vai minha tristeza
E diz a ela 
Que sem ela não pode ser
Diz-lhe numa prece
Que ela regresse 
Por que eu não posso mais sofrer

A cabeça da Vanessa começou a imaginar resmas de funcionários públicos a pedirem ao Governo o regresso da troika. João Gilberto não merecia isto, nós também não.

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