O Serviço Nacional de Saúde paga a conta

Já não basta colocar mais dinheiro e esperar que os problemas se resolvam. Exige-se uma gestão preparada e profissional que ouça os profissionais de saúde e responda às necessidades crescentes das populações.

A maior vítima fiscal da crise económico-financeira foi o Serviço Nacional de Saúde (SNS). Em 2010, a despesa pública em saúde representava 6,9% do produto interno bruto (PIB), tendo atingindo 6,0% do PIB em 2018. Ainda assim, uma recuperação face aos valores mais baixos da série em 2015 e 2017, com 5,9% do PIB.

O primeiro episódio surge com o corte no investimento e congelamento orçamental de 2009. De seguida, o SNS é chamado a pagar parte da conta da ADSE – dependente do Orçamento do Estado (OE). Em 2006, o orçamento da ADSE dependia em 84,8% de transferências diretas do OE. Assim, em 2010 é subscrito um memorando de entendimento com o objetivo de eliminar a faturação entre as entidades do SNS e os subsistemas de saúde públicos, sendo compensado com 548,7 milhões de euros. No ano seguinte, este valor desaparece do OE e, no final de 2011, o SNS acumula três mil milhões de euros de dívidas a fornecedores, ficando em sério risco de falência operacional.

Em dezembro de 2011 procede-se à operação de transferência parcial dos fundos de pensões da banca (BCP, BES, BST e BPI) para a Segurança Social, ficando esta com responsabilidade pelo pagamento de pensões de 27 mil bancários (cerca de 500 milhões de euros ao ano). À época, o Governo considerou importante que os bancos portugueses reduzissem a sua elevada exposição aos riscos dos planos de benefícios a favor dos seus trabalhadores. Dos 5971 milhões de euros transferidos, cerca de 1500 milhões de euros foram utilizados para pagar a dívida do SNS a fornecedores. Perdão, dívida que os grandes devedores venderam à banca através de factoring sem retorno. Podemos mesmo considerar que os bancos foram duplamente beneficiados com a operação: 1) limpeza do passivo decorrente dos fundos de pensões e 2) melhoria da sua liquidez.

Durante o Plano de Ajustamento Económico e Financeiro (2011-2014), vulgo período da troika, não existiu outra área pública que tenha conseguido atingir as metas propostas como a Saúde. Numa conjuntura complexa, o SNS cumpriu com o acordado e pagou bem mais que a quota parte da sua responsabilidade.

No pós-troika, a forte restrição orçamental e centralismo mantêm-se, quer pela via do financiamento operacional, quer pela via do investimento. No passado mês de junho, ao abrigo do semestre europeu, a Comissão Europeia reafirma que “(...) os persistentes pagamentos em atraso nos hospitais resultam de planeamento e implementação orçamental inadequados e de deficiências no controlo contabilístico e nas práticas de gestão. As reduções temporárias dos pagamentos em atraso em 2018 resultaram essencialmente de medidas extraordinárias”, entenda-se pagamento a fornecedores no final do ano depois de se acumular dívida. Nada de novo.

O que vamos sabendo nos hospitais é que a dívida gerada, ano após ano, a fornecedores resulta em aumento dos preços de aquisição. Sabemos, também, que os fornecedores vendem a sua dívida ao setor financeiro, sendo esta sujeita a juros de mora. O que não sabíamos foi revelado numa entrevista recente a um jornal económico. Um responsável de um banco italiano recentemente instalado em Portugal afirmou que o seu “negócio nasceu e cresceu assente no negócio da saúde, nomeadamente na compra de faturas da indústria farmacêutica”. Deslinda-se, ainda, que o banco teve um lucro líquido ajustado de 22,2 M€ no primeiro trimestre, num crescimento anual de 10%. Para além dos suspeitos do costume – setor privado da saúde –, ficamos, assim, a saber quem também lucra com a suborçamentação do SNS. Até agora conhecíamos quem mais perdia – os portugueses.

As transferências do OE para o SNS baixaram dos 4,92% do PIB em 2010, para os 4,31% previstos no OE de 2018. Resta saber o que os programas eleitorais propõem, não apenas na orçamentação, mas também na necessária melhoria da governação e, consequentemente, da gestão do SNS. Já não basta colocar mais dinheiro e esperar que os problemas se resolvam. Exige-se uma gestão preparada e profissional que ouça os profissionais de saúde e responda às necessidades crescentes das populações.

Caso contrário, nada de novo. O SNS paga a conta.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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